sábado, 3 de junho de 2017

Alberto Veiga de segunda a segunda

Segunda-feira. Café da manhã reforçado. Um beijo na esposa. Alberto pega sua câmera, penteia rapidamente seus cabelos cacheados e sai de casa. Hoje ele vai para a Zona Sul do Rio de Janeiro. Um grupo de mulheres esclarecidamente feministas está reivindicando alguma coisa. Não importa, para Alberto, o que está sendo reivindicado, mas sim o movimento como um todo. Primeiramente, ele é fotojornalista, trabalha com o registro. Além disso, tem gosto pela luta, sempre teve. Tira as fotos sem se preocupar com a estética, a mensagem vale ouro, o envelope vai pro lixo. Horas vão se passando, o suor vai escorrendo por sua testa. O calor humano é real, e a proximidade com o povo evidencia isso. Em meio a milhares de mulheres pintadas, uma fachada de prédio lhe chama a atenção. É apenas uma fachada, como qualquer outra, mas sua arquitetura o atrai, merece um registro. O Sol vai se pondo, as manifestantes se dispersando. Mais um dia chega ao fim.
Terça-feira. Café da manhã forte. Sua esposa, correspondente, já foi trabalhar, o fuso horário alemão demandou. Câmera e garrafa d’água na mochila, botas nos pés e sorriso no rosto. O dia hoje está calmo, ensolarado e sem protestos. Alberto decide subir a Pedra da Gávea. Enquanto faz o percurso, se atenta a cada detalhe do ambiente em que se encontra. Cada inseto, cada planta, cada pássaro faz com que ele se lembre dos seus anos como biólogo. Sua paixão pela natureza fica mais do que evidente em seu sorriso. Para Alberto, a natureza é uma parte vital da sociedade. Ele chega no topo. Que vista; o céu está limpo, o verde está vivo, merece um registro. A descida é longa, Beto bebe a água que trouxe de casa e segue de volta para a mesma.
 Quarta-feira. Café da manhã leve. Um beijo na esposa. Alberto pega sua câmera, hoje vai para a Lapa fotografar aulas de Yoga de rua. Trabalha a maior parte do tempo como freelancer, ou seja, é dono de seu próprio nariz e faz sua própria agenda. Chega no local e se depara com dezenas de pessoas praticando meditação. Que sintonia. Ver o coletivo como uma unidade é, no mínimo, gratificante. Vê jovens e idosos no mesmo ambiente, fazendo os mesmos movimentos, e sem perceber, abre um sorriso de um canto ao outro do rosto. Esse momento merece um registro. O evento acaba, assim como seu trabalho por hoje.
Quinta-feira. Café da manhã fraco. Manhã arrastada. Sua esposa acordou triste. Sem beijo hoje. Beto pega sua câmera e vai para Laranjeiras, cobrir a homenagem que será feita a um falecido jovem de 19 anos, vitima de um assalto que deu errado. Ao chegar no local, vê um cenário de melancolia. Parentes e amigos chorando em frente ao mural destinado ao falecido. O chão está repleto de flores. O rosto sempre alegre de Beto se fecha completamente. Que situação trágica, o menino era tão novo... O tio do jovem discursa ali mesmo, na frente do mural, isso merece um registro. A denuncia foi feita. Alberto guarda a câmera e vai para casa.
Sexta-feira. Olhos inchados. Alberto, enquanto toma um café preto, sem açúcar, vê na televisão que o povo está gritando pela democracia. Hoje é dia de manifestação no centro do Rio. Com sua câmera nas mãos, Beto respira fundo algumas vezes; ele sabe como o ato vai acabar. Sem proteção para o rosto ou para peito, ele se fortifica apenas com sua coragem. Chegando no Centro se depara com dezenas de milhares de manifestantes com cartazes, bandeiras de partidos e discursos afiados; que sintonia. Em meio às pessoas observa uma fachada histórica: é a Igreja da Candelária. Eis que, na selva de concreto, vários jovens mascarados começam a se juntar, praticamente posando para uma foto. Isso tudo merece um registro. O dia se torna noite, e os gritos de ordem se tornam gritos de medo; a polícia chegou. Beto tira o máximo de fotos que consegue e vai para casa às pressas, sua coragem não é tão forte quanto uma bomba de efeito moral.
Final de semana. Alberto acorda com calma. Sua esposa já voltou. Eles tomam café juntos. Depois de uma longa semana de trabalho, tudo que ele quer é se sentar com sua família e conversar a tarde inteira. Olhar através de seus olhos, e não de sua lente. Debater com seu pai sobre política, sem medo de censura. Na manhã de domingo, se fizer bom tempo, talvez ele vá surfar. A noite de domingo chega. Alberto repousa sua cabeça sobre o travesseiro de sua cama. De que valeram seus relatos? Qual o valor das suas denúncias? Será que o seu trabalho, no final, vai valer alguma coisa? A ansiedade e a insegurança vêm para lhe tirar do seu conforto. Como ele consegue dormir e acordar sorrindo, quando pessoas inocentes morrem todos os dias? A sorte que Beto deu, foi ter nascido humilde; ele sabe o seu lugar, sempre soube. Ele pode não ser o melhor fotojornalista, nem o melhor biólogo, mas é o melhor Alberto que consegue ser, é essa é a maior vitória de todas.
Segunda-feira. Café da manhã reforçado. Um beijo na sua esposa. É dia de ir pra rua.
 
                                                                                                                                          Por Paulo Terra

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