sábado, 3 de junho de 2017

Beto

Alberto é um cara legal, Beto para os mais íntimos. Voz mansa, sorriso fácil. Novo, novo, mas já com seus grisalhos. O Felipe que nos apresentou, estudaram juntos quando mais novos. E nesse vai e vem de pessoas, resolvemos parar e marcar um encontro. Aquele encontro que sempre é agendado, mas que nunca acontece. “Po, a gente marca algo qualquer dia.”. “Vamos sim, fechado!”. E na mesa de um bar, comecei a conhecer melhor o Beto. Cara que se preocupa com os outros e que conseguiu unir o trabalho com a sua ideologia. Não falta é coragem para ele. Depois de 20 anos trabalhando na área da biologia, resolveu mudar o rumo da sua vida. Resolveu dedicar-se mais intensamente a uma paixão que sempre existiu: a fotografia. E logo no inicio da nossa conversa, falando sobre o seu atual emprego, ele comentou: “isso me humaniza um pouco, sabe?”. Aquela frase me fez pensar um pouco mais sobre tudo isso. Pensar que fotografia não é somente retratar coisas e pessoas. Através de um ou até mesmo vários cliques, uma pessoa é capaz de mudar o pensamento de outros indivíduos. Através de cliques, causar reflexões. O Beto não esconde suas intenções quando se fala sobre influenciar. Ele registra os pequenos detalhes, detalhes que muitas vezes passam sem serem percebidos.
E a biologia não o largou, afinal foram 20 anos de convivência. Ele ainda fotografa esse meio. Mas o político-social que tem chamado a atenção do Beto. Ele tem medo, mas tenta guardá-lo no bolso em alguns momentos. E o seu medo deixa evidente que o Beto é um ser humano como qualquer outro. Mas é a fotografia que o faz ser diferente, afinal, apesar do medo, ele corre atrás do registro.  
“Clarice, o nosso país não é pobre. É pobre de justiça.”. E mais uma vez eu tive que concordar com ele. Falta igualdade, e a falta dessa atitude/sentimento que não nos permite progredir. Eu vi que o Beto busca através do seu trabalho um pouco dessa justiça. Temas sociais são clicados por ele constantemente. Beto não se preocupa em esconder seu posicionamento político. Durante nossa conversa, ele comentou sobre alguns perrengues que ele já passou nessa profissão. É bomba de efeito moral, mãe com carrinho no meio de uma guerra, gente assim como ele, com medo.
E conversa vai, conversa vem, falamos não só sobre trabalho. Família faz parte da construção de quem somos, e com o Beto, isso não é diferente. Ele comentou que seu pai era um homem de personalidade forte. “Meu pai era um cara velho, de barba branca que vivia resmungando quando via um problema social.” O Beto pode não ficar por aí resmungando e reclamando. Mas que isso tudo o incomoda ficou bem claro. E neste contexto todo, a fotografia é a sua arma. É através dela que ele critica e tenta modificar o cenário. “Eu tento ler o mundo em imagens, Clarice. Para mim, o conjunto de imagens fala mais que uma única. A união de imagens traz um contexto mais amplo.” E quando falamos sobre a questão das edições, ele afirmou com um posicionamento bem firme: “evito ao máximo qualquer tipo de edição pesada. Não curto nenhuma modificação na foto. Ela está ali para retratar uma realidade.”
E depois de algumas horas, que pareceram minutos, pedimos uma saideira e dessa vez o nosso próximo encontro já tem uma data. Uma data nesses casos tem que ser definida, porque caso contrário, fica só no “vamos marcar!”. Pois afinal, a vida de fotojornalista não é fácil, tempo vago é difícil de se encontrar.

Clarice Machado

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