sexta-feira, 23 de setembro de 2022

 Eu nunca fui uma criança tagarela. Sempre fui quietinha, obediente. Nunca dei trabalho. Só abria a boca para falar quando alguém me perguntava algo. Não corria porque meus pais falavam que se eu corresse, iria cair e me machucar. Só atravessava a rua de mãos dadas com um adulto. Brincava sozinha, sem incomodar ninguém, porque os adultos precisavam trabalhar.

Vejo a pequena Eu como uma árvore que eles podavam como entendiam que deveriam, cortando os galhinhos que fugiam do aceitável. Fale baixo, se vista assim, fale assado. Não incomode as pessoas. Não questione as regras.
Cresci e passei a adolescência me sentindo invisível. Eu não tenho voz, não tenho opinião, não tenho vontades, não tenho espaço. Não sei quem eu sou, não sei do que gosto. Não sei porque estou aqui. Não sei para onde vou. Não sei. Não sei.
Sou insegura das minhas falas, da minha voz, da minha forma de andar, de vestir, de correr (porque se eu corresse, eu iria cair, lembra?).
Odeio falar em público, odeio me apresentar, odeio lidar com pessoas, odeio quebrar regras, odeio receber críticas.
Fujo da realidade o máximo que posso, buscando me esconder nas minhas fantasias, nos livros que eu tanto gosto de ler, nas séries televisivas, nos filmes, na música. Passo horas inventando pessoas e momentos na minha cabeça, porque sei que só lá tudo pode ser exatamente como eu quero que seja.
Não sei lidar com os meus sentimentos, ou os sentimentos dos outros. Nunca aprendi isso. Toda a minha vida, foi sempre tudo escondido. Choros velados, brigas escondidas, amores subentendidos. Sabe aquela tia minha, que cometeu suicídio bem antes de eu nascer? Pois é, só fiquei sabendo aos dezenove anos de idade, porque ninguém ousa tocar nesse assunto, e ninguém ousa falar dela.
Sei que eles pensam que estavam cuidando de mim, me protegendo das coisas ruins do mundo. Mas é difícil para mim entender como algo de intenções tão boas teve resultados tão desastrosos. Dói tanto no meu âmago amá-los, mas ao mesmo tempo nutrir tanta raiva por eles. E ao mesmo tempo também ter essa raiva reprimida, porque quem em sã consciência tem rancor dos próprios pais?
E pensar que se eles pudessem só ter me deixado errar, cair, tentar, eu talvez não precisasse ser assim. Eu talvez poderia ter tido uma chance de me expressar, ao invés de ser o nada que eu sou hoje.
Sou invisível, esquecível, sem importância.
Sou? Ou será que nem isso?

Sanglard

2 comentários:

  1. Sanglard, você não é esquecível! Cada um de nós é único e você também é. Nunca é tarde para tentar, errar e construir o que você quiser. Gostei muito do seu texto, me identifiquei porque também sou de tentar fugir da realidade.

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  2. Nossa, parece que você me descreveu. Me sinto assim muitas vezes também. Espero que essa nossa sensação passe algum dia.

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