sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Pedaço de nada

 

   O que é trauma? Podemos dizer, de maneira subjetiva, que é algo que carregamos conosco, aquilo que forma nossa identidade, a nossa destruição, nosso fim e nosso recomeço como indivíduo.  Por outro lado, definindo de maneira objetiva, o significado da palavra "trauma" remete ao termo grego indicativo de "ferida", por sua vez, derivado do grego traumatós (furar), e seu significado pode ser descrito como uma ferida com efração. Todavia, não falo sobre as feridas do corpo, mas sim sobre as feridas da alma. Sobre a dor que não pode ser sentida de maneira física, a dor mental. 

   Lembro-me como se fosse ontem, mas na verdade não lembro de nada e por um bom tempo não senti nada também. Por um momento não sei quem sou, não tenho mais sono, não sei onde estou e nem de onde vim. Não sei o que está acontecendo, não gosto de pensar e não gosto de lembrar. Eu odeio lembrar, eu odeio ter existido naquela situação e odeio mais ainda não ter voz. Eu não tenho corpo também, eu não estou ali e nem faço parte desse cenário. Quem está ali é outra pessoa e o que está acontecendo não é o que parece. Não é! Eu entendi errado, eu sei… Foi culpa minha, eu sei disso. Ninguém pode saber, ninguém vai saber. Só que eu sei! Não sei? Na verdade, não tem nada para saber. É isso, não tem nada para saber porque nada aconteceu. Eu nem estava lá. Não tinha ninguém lá. Não tinha eu, não tinha outra pessoa, não tinha voz e nem tinha corpo. 

  Quero vomitar, pois sei que é mentira o esquecimento. Eu não consigo me enganar e eu sei de tudo, eu lembro de tudo. Eu lembro da sensação, eu lembro que eu estava lá e lembro quem mais estava. A sensação era de compreensão, a dor de saber e a dor de entender. Olhar nos olhos da outra pessoa e ver o meu, assustados e ariscos feito um gato com uma pergunta silenciosa presa dentro de mim. Essa pergunta ecoa por todo meu corpo enquanto eu experiencio mais uma vez a sensação de morrer por dentro mais um pouco, de murchar como uma planta no sol. 

   Minha pele queima de dentro para fora e minha cabeça dói. Meu braço está preso e me encontro em um estado de letargia sem conseguir levantar e sem conseguir gritar.  Estou em solilóquio por aquele instante que, na verdade, pareceram horas. O meu corpo já não é meu mais, não consigo me pertencer. Eu lembro do estranhamento, do pavor. E, pior ainda, eu lembro que eu não esperava. Não esperei quando aconteceu e nem que fosse acontecer de novo. Não esperei uma, nem duas, nem três, nem quatro, nem cinco vezes. Não esperava que fosse reviver o tormento de outras maneiras e que aquele sentimento nunca fosse me deixar, por mais que eu me esforçasse e por mais que eu desejasse. Meu castigo era a lembrança. Tão exaustivo foi viver relembrando, que ensimesmei no caos mental e também me cansei de perguntar a mesma coisa e de tentar entender o que eu vi naqueles olhos todas as vezes. Me cansei de perguntar o que eu fiz para merecer. 

   Em conclusão, o que isso quer dizer? O que significa trauma? Não sei, não sei se meus leitores saberão e não sei se tem explicação. Talvez minha morbidez não passe de uma sensação inútil e limitante, afinal feridas saram, certo? Talvez eu seja incoerente e repetitiva. Mas, talvez não exista desfecho e trauma seja apenas aquilo que nos faz sentir um belo pedaço de um grande nada. 


                                                                                               Por Vênus.

                                                                              

3 comentários:

  1. Conseguiu descrever a angústia do trauma em palavaras.

    ResponderExcluir
  2. Muito boa a crônica, você escreveu bem demais

    ResponderExcluir
  3. Abordagem interessante de primeira começar com a definição, ou seja, a grande questão " O que é trauma ? ", é depois afirmar sua concepção acerca disso, trazendo exemplificação.

    ResponderExcluir