A história da minha vida começa em um ônibus para São Paulo
Minha mãe é a décima Maria de uma família de onze Marias — nem todas se chamam
assim, na verdade, mas o “espírito de Maria” está presente em todas elas — nascida no
interior do Pernambuco. Ela, como boa parte da minha família, migrou para o Sudeste durante
os anos 1990, quando aqui era o Olimpo, um mundo que parecia melhor que lá. Foi para São
Paulo, especificamente, uma aventura que durou quatro dias antes de partir para o Rio de
Janeiro.
E sim, minha mãe não terminou a escola. Sim, ela cuidou do pai — até a morte — dos
irmãos e dos sobrinhos. Sim, ela foi empregada de madame rica em Icaraí. Não, ela não
voltou pro sítio. Sim, ela se casou. Não, ela não teve vários filhos como as irmãs mais velhas.
Sim, ela me carregava no ventre quando a mãe faleceu. Não, ela não se tornou avó aos trinta,
foi mãe aos vinte e seis. Não, não de mais uma Maria. Não, ela não deixou de ir à Igreja, Deus
mora nela. Não, ela não “ficou metida”, o que isso quer dizer, aliás?
Não, ela não ensinou a menina a escrever, nem a andar de bicicleta e nem a nadar.
Primeiro, porque mal sabia escrever, segundo, porque não sabia andar de bicicleta e terceiro,
porque:
— Não tem água aqui pra isso. Lembra dos rios de lá?
Sim, a menina dela é “tão educada”. Não, não parece com a família. Estudou em
escola particular? Estudou, o pai pagou. Aprendeu inglês? Aprendeu. Do I sound angry?
— É a sua mãe?
— É.
— Parece nada, não é?
— O pai é branco. É a cara do pai. — É a voz da minha mãe que responde.
E é a voz da minha mãe que também diz: minha filha está na faculdade agora. Está?
Sim. Quantos anos? Dezoito, completou em dezembro, o aniversário dela é nove dias antes do
da tia. O pai paga? É pública. Pública mesmo? É. E a mãe mal escreve, não é? Não, mas
minha filha escreve bem, sabia escrever o primeiro nome antes mesmo de ir pra escola.
Quantas letras? Dez. E o da mãe? Sei de cor, é Maria.
Já andou de avião? Uma vez, eu e minha mãe fomos visitar a família lá. O povo de lá é
bem diferente daqui, não é? É, o sotaque é mais bonito. Sua mãe é paraíba, não é? Engraçado,
a cabeça dela é pequena. Não, minha mãe é pernambucana.
Vai ser o que quando crescer? Ainda não sei. Como sua mãe?
Eu respiro:
— Obrigada pelo café, mas eu não tenho a sua sede.
Todos amam tomates