Os olhinhos da criança se abriram pela janela do ônibus escolar. Mais um dia sonolento. Ela
vivia no próprio mundo de inocência, onde todos eram bons e o mal vivia num calabouço,
longe da luz do sol.
Até que o mal se juntou aos raios de sol, batendo na janela, se espreitando pelos assentos.
Dois homens espancavam uma moça na calçada. A criança olhou em volta, assustada com os
gritos e tentou falar, mas a voz não saía. Então, percebeu que a mulher parecia não ter voz.
Afinal, dentro do ônibus ninguém a ouvia.
A moça se contorcia ao tentar se livrar dos punhos cheios de ódio, mas não adiantava. A
criança observava a cena com um olhar desesperado, se questionando como era possível
causar tanta agonia a um só rosto. Seus olhinhos viram quando o mal se livrou do calabouço e
se esgueirou pela esquina, envenenando a visão de quem por ali andava. Quem passasse pela
mulher nada fazia.
A cada soco, os berros dos homens soavam mais alto, como se fossem eles a roubar a voz
dela. A criança não compreendia as palavras ditas, mas sabia que nenhum deles se
arrependia. Ela sentia que a cada segundo em que os dois não eram interrompidos eles
cresciam, cheios de confiança em si, até se tornarem gigantes e a moça não mais resistir.
O veículo escolar cruzou a esquina como se nada tivesse acontecido. Os olhinhos
continuavam fixados na janela. Levaram-na pela mão até o portão da escola. A criança
caminhou pelos corredores e se manteve calada, enquanto o castelo que era sua vida
desabava. Teria o mal impregnado todos a sua volta, a ponto de não se afetarem com a dor de
uma desconhecida?
Lentamente, suas mãozinhas conseguiram reerguer os muros do seu castelo. Ela não podia
controlar o calabouço do mundo, mas do seu o mal não escaparia. Alguns anos depois, ainda
se pergunta se depois do ônibus seguir caminho, alguma mão foi estendida para ajudar a
mulher, se alguém poderia confortá-la. A criança decidiu naquele mesmo dia, que jamais se
calaria enquanto outra moça sofria.
Tela Azul
Não podemos mesmo nos calar. Hoje pode ser com ela, amanhã pode ser com a gente.
ResponderExcluirTela Azul, sim! Essa luta não é uma guerra perdida. É possível a mudança, e começa com a gente. Gostei muito do texto, sério.
ResponderExcluirQue texto lindo e emocionante. Que continuemos falando e gritando quando for necessário para ajudar quem precisa, parabéns pela consciência e a luta nunca acaba. Forças para nós!!!!
ResponderExcluirAchei seu texto muito emocionante e angustiante ao mesmo tempo! Precisamos sempre gritar para ajudar quem precisa. Quem cala, consente!
ResponderExcluirNão sei se é real ou ficção, mas as vezes tenho essa dúvida, será que as pessoas lembra quando foi que percebeu que o mundo não era um mar de flores ?. Belo texto!
ResponderExcluirVocê descreveu o sentimento de angustia tão bem que no meio do seu texto fiquei sem ar. Que a gente não se omita perante o absurdo.
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