Ele era uma criança normal. Como todas as outras crianças normais, ele gostava
de brincar, de se encontrar com os amigos, jogar bola, empinar pipa, brincar de bonecos:
como quase todas as outras crianças. E como toda criança normal, ele também tinha
medos de crianças normais. Medo de broncas dos adultos, de notas ruins na escola, dos
cachorros grandes que latiam para todos que passavam no portão do vizinho, e também
medo do escuro. Mas diferente das outras crianças normais, o medo do escuro dele era,
de certa forma, diferente. O escuro que o assustava não era o breu de quando sua mãe
apagava as luzes após bota-lo na cama, tampouco a escuridão que assolava seu bairro
em dias que faltava energia. Seu escuro pessoal era o medo do fim inevitável, que todo
ser vivente um dia terá de enfrentar.
Era duro para alguém tão pequeno já enfrentar um medo tão grande. Nascido em
família religiosa, ele sempre ouviu muito sobre o céu e sobre a vida eterna. Porém,
desde muito novo ele não acreditava nessas coisas, mesmo querendo do fundo do
coração. Ele sempre se questionou como os seres humanos conseguiam seguir a vida
normalmente, viver como se nada estivesse acontecendo, como se cada dia não
estivessem mais próximos do dia do fim da própria existência. Afinal, do que adiantaria
ser uma boa pessoa, estudar, alcançar seus objetivos, se no fim o que vos aguarda é a
inevitável não existência? Qual o motivo de trabalhar duro para ter seus sonhos
realizados se daqui a poucos séculos, seu nome, seu rosto, sua voz e risada, medos e
anseios, tudo que o fazia único e especial, seria completamente apagado da história e da
memória de todas as pessoas vivas? Essa sempre fora sua batalha pessoal, encontrar um
sentido em algo que, no fundo, talvez realmente não tenha sentido.
Peço desculpas a todos que leem, estou vos contando uma história que ainda não
teve fim. Entretanto, já adianto: o menino não é mais um menino. Mas mesmo agora,
adulto, ele ainda se deita todas as noites com medo do escuro. Do seu escuro.
Coruja Barbosa
Quanta sensibilidade, Coruja! Adorei sua escrita e me identifiquei com a forma que construiu as ideias no texto. Tão profundo e bonito, mas, ao mesmo tempo, instigante e pavoroso. É um medo que nos assola e talvez, nunca descobriremos as nuances desse escuro. Quando ele chegar, pode ser que desliguemos e nada mais esteja sob os nossos sentidos. Parabéns.
ResponderExcluirQue texto lindo, muito profundo e sincero, que esse medo seja transformado em outras coisas que você supere isso, também amei a reflexão. Parabéns.
ResponderExcluirCoruja, eu também sempre penso nisso. Acho que todo mundo tenta encontrar uma resposta para isso. Para mim, realmente não faz muito sentido. Só que eu penso: e daí? Nem tudo precisa ter sentido. Aliás, não ter sentido é muito melhor do que ter um já pronto. É sinal que a gente pode escolher o nosso próprio!!! Não precisamos ter medo do escuro...
ResponderExcluirVocê não está sozinho nessa, Coruja. Acho que mentem aqueles que falam não ter medo do próprio escuro. Quem sabe o que nós deixaremos como legado e se ele será lembrado? Na dúvida, é melhor criar as melhores memórias possíveis. Talvez assim as coisas façam algum sentido. Também tenho medo do escuro, adorei o seu texto.
ResponderExcluirSeu texto me lembrou uma música interpretada pela Cassia Eller: Dentro de ti. Eu costumava ouvir muito essa música. Acho que você vai gostar. https://www.letras.mus.br/cassia-eller/1316662/. Beijos.
ResponderExcluirCoruja, eu também tenho medo do escuro! Acho importante te dizer isso para que você saiba que você não está sozinho nessa coisa doida que a a gente chama de vida. Parabéns pela profundidade do seu texto!
ResponderExcluireu acho que entendo um pouco esse medo. também vim de uma família extremamente religiosa, mas diferente de todo mundo, muita coisa eu prefiro questionar do que só aceitar e acreditar, mas sempre que paro pra pensar bem sobre as coisas, eu fico com um medo horrível dentro do peito do que será da gente no fim, o que me acalma de verdade é evitar pensar nessas coisas, dica bem inútil, né? shjshjshsjshs
ResponderExcluirCoruja, tenho medo do mesmo escuro que você, mas desvio o máximo possível desse pensamento. Esse texto requer muita coragem de olhar pra si! Parabéns.
ResponderExcluirCoruja, também tenho meus questionamentos sobre o escuro, mas pq não aproveitar o que nos resta nessa vida terrena, o fim ninguém sabe...ótimo texto!
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