quinta-feira, 17 de junho de 2021

Entre o ódio e a inveja

Eu cresci com a pessoa mais leonina que existe: a minha prima mais velha. Chega

a parecer um personagem, de tão leonina que é. Ela transforma toda conversa em uma

conversa sobre ela, todo assunto que surge, ela aparece para dar sua perspectiva, se as pessoas

vão rir, tem que ser de uma história engraçada dela, se vão chorar, tem que ser junto com ela.

Numa mesa, fala sempre o mais alto possível, para que não exista nenhuma outra conversa e

todos prestem atenção enquanto ela está falando, o que, eventualmente, acontece, pois é

difícil ouvir até os próprios pensamentos enquanto tem a leonina falando e rindo aos berros.

Mesmo quando vai falar com alguém, é ela quem se destaca, porque a interação vai consistir

em diminuir a pessoa.


Essa minha prima constrói e faz questão de mostrar uma imagem tão certa,

decidida, engraçada e bem sucedida dela mesma, que todo mundo acredita, mesmo que não

seja verdade. Por conta dessa postura, na minha família, tudo que ela fala é lei. É ela quem

sabe, quem viveu, quem melhor escolhe, quem melhor acolhe. Todos esses atributos da minha

prima não se encaixam em mim e minha família sempre fez questão de salientar isso, ao

comparar-me com ela. No ambiente familiar ninguém me escuta, literal e metaforicamente,

nunca pedem minha opinião sobre nada e não ligam para minhas qualidades. Sempre foi

assim, mas só percebi isso depois de muitas sessões de análise. Até então, eu achava que o

problema estava em mim (de certa forma, está, porque eu sou mesmo indecisa e fracassada),

porém hoje vejo que está na minha família, que não me aceita como eu sou, que impôs que o

jeito certo de ser e viver é o jeito da Leonina com L maiúsculo e que durante toda minha vida

me repreendeu por eu não ser igual.


Portanto, é natural que eu odeie a minha prima. Eu odeio a minha prima e esse

ódio aumentou quando ela se afastou de mim e saiu dizendo para toda a família que eu é

quem tinha me afastado. E, é claro, os parentes acreditaram nela, por mais que na época eu

ainda fosse uma criança e ela já adulta. Odeio-a, mas também sinto inveja. Quero que minhas

opiniões, histórias, personalidade e voz sejam tão valorizadas quanto as dela. Quero não ter

que me transformar em uma personagem metida e egocêntrica para conseguir ter espaço no

meu ambiente familiar. Quero que minha prima nunca tenha existido.


Euridice Gusmão.

17 comentários:

  1. Caramba, que pesado, Euridice. Mas saiba que fracassada você não é! De jeito nenhum. Espero que tudo dê certo e que finalmente vejam seu valor e sua força na sua família. Ótimo texto!

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  2. Euridice, pelo o que você disse, me parece que você é uma pessoa de verdade, que tem aflições e desafios como todo ser humano, imagino as tempestades que habitam no interior da sua prima para ela agir assim. Você não precisa da aprovação de ninguém pq a final eles não te merecem, tenho certeza que você não é uma fracassada como falou, é apenas humana. E não guarde remorso pois ele é um veneno que você bebe esperando que o outro morra, espero que tudo melhore!

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  3. Euridice, eu sinto tudo o que você quis passar. Por favor, por mais que isso seja clichê, não se menospreze por conta de sua família, eles não merecem alguém como você.
    Entre o ódio e a inveja haverá sempre o amor, não por outra pessoa, mas sim aquele que sente por si mesma. Não importa se tem ciência desse sentimento, mas ele com certeza já te ajuda a seguir a sua verdade, independente do que os outros achem.

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  4. Conheço bem o sentimento que você descreveu, é realmente muito difícil. Infelizmente algumas pessoas despejam suas frustações em outras, que não tem a menor culpa. Tenho certeza que você é uma pessoa boa e única do seu jeito, não deixe essas comparações te diminuírem!! Adorei seu texto

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  5. Oi, Euridice. Não se sinta mal por se sentir desse jeito, você não é fracassada! Só de escrever um texto como esse, mostra que você tem muito valor.

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Muito bom texto Euridice! Eu tinha uma amiga que fazia eu me sentir da mesma forma que vc com essa sua prima, e a melhor coisa que eu fiz foi me afastar dela. Não vale a pena ficar junto de alguém tóxico para vc e nem se diminuir por causa de comparações sem sentido! Cada um tem o seu jeito e todos devem respeitar isso!

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  8. Um texto brilhante, bem diferente de alguém fracassado. Entendo bem a sua dor e as implicações que uma prima "perfeita" pode trazer em nossos processos de auto-identificação. Mas saiba que, independente dos seus familiares, você pode ser tão incrível quanto a descrevem. Os atributos de uma pessoa jamais diminuem os seus. Tenha certeza de que é especial, em todas as nuances, qualidades e defeitos. Estaremos aqui pra te lembrar isso.

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  9. Nossa, Eurídice, eu sinto muito por tudo que aconteceu com você. Faça o seu melhor por você e mesmo que seja quase impossível, não ligue para o que os outros falem ou pensem. Espero que tudo se resolva. Abraços!

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  10. Amei o texto e tenho certeza que não é uma fracassada. Você irá ocupar seu lugar no mundo sendo vc mesma

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  11. Cada ser humano tem sua unicidade. Desprezível e fracasso é tentar compará-los.
    Agora, seu texto é interessante, viu?

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  12. Gostei muito do seu texto, senti que ele conseguiu passar muito do seu sentimento em relação a essa situação...não sei que conselho te dar no momento sobre isso, mas desejo imensamente que um dia você possa viver em paz quanto a essa situação.

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  13. Seu texto foi tão claro e preciso que eu sinto que conheço sua prima. Contudo, vou ter que discordar de uma parte, você não me parece nem indecisa, nem fracassada. Espero que ao longo da sua vida você encontre um lugar que se sinta valorizada e possa perceber isso.

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  14. Texto forte e necessário. Consegui sentir o rancor em suas palavras.

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  15. Este comentário foi removido pelo autor.

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  16. Euridice, seu texto é tão franco, aberto e passa tão bem suas emoções que seria impossível não me comover de alguma forma. Desejo, sinceramente, que perceba como só uma pessoa única e muito especial tem o talento que você mostra no texto.

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  17. A gente aprende vivendo que nem todo parente é família.

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