Sexta, oito e meia da manhã, primeiro recreio do dia. Os dois horários tinham sido de
literatura e história, respectivamente, e a tarde anterior sempre era reservada para as
provas semanais. Dava para sentir o cansaço e a apreensão pairando no ar por conta das
notas, mas, nas sextas, isso não importava. Todos da série tinham o acordo quase rígido
de não falar nada sobre as questões, afinal, de nada adiantaria agora. E quem ousasse
entrar no assunto era imediatamente interrompido pelo coro de vozes repetindo “Não,
não, não, sério isso? Vamo se distrair, vai, esquece.” Justo. Não dá para manter uma
conversa com quem não quer falar. Então, surge mais um assunto: o que vamos fazer
hoje? Alguns minutos de discussão e decidimos ir comer pizza na casa de uma das
meninas. Cada uma leva um pouquinho de dinheiro e pedimos lá, nem precisa ir tão
arrumada! Só vai as de sempre. A aula acaba, o dia segue bonito, estudo um pouco a
tarde e às sete visto minha roupa não tão arrumada. Ensaio algumas conversas, caso
fiquemos sem assunto, porém isso não iria acontecer. Eu e as meninas nos damos bem.
Sexta, oito e meia da noite, sou uma das últimas a chegar na casa da minha amiga. Tudo
tranquilo, o papo é divertido como das outras vezes e gostamos de estar ali. Até que
alguém diz: “Vocês viram que a Esmeralda, mais velha que a gente, entrou na faculdade
com cota?” Sinto minha boca um pouco mais seca que o usual, meus ouvidos um pouco
mais atentos que o usual e, mesmo sem dizer nada, minha fala um pouco mais apressada
que o usual. Eu já sabia o que estava por vir. Minha intuição afiada sempre me alerta
antes (chego a interpretar como mecanismo de defesa). “Nossa, não consigo entender
como tem gente que defende isso!” Sabia. “Nem eu, é tirar o lugar de quem não tem
cota.” Sabia. “E ela nem precisava disso, né! Ela já é inteligente, tava só se
aproveitando mesmo.” Sabia. Minha mente se embola nos tantos argumentos possíveis
que batem de frente com tudo que escutei e com todos os outros que não foram ditos,
porém, indubitavelmente, pensados. Enquanto meu coração acelera, um sentimento
crescente que não sei qual é toma conta de mim e sinto quase como se elas pudessem o
sentir também, apesar de, por fora, só estar um pouco mais encolhida. Abro a boca.
“Mas, gente-
“Lá vem, até demorou! Vai lá, militante. Defensora dos oprimidos. Fala aí!”
Ametista
Melhor ser "militante chata" do que ser omissa e não mostrar os seus valores. Adorei o texto, Ametista.
ResponderExcluirConcordo com a Bic, Ametista. Como assim alguém fala defensora dos oprimidos como se fosse algo ruim?
ResponderExcluirJá ouvi várias vezes esses mesmos comentários e sempre rebati. Continuemos assim!!
ResponderExcluirAinda bem que existem pessoas como você!
ResponderExcluirSempre melhor sermos nós mesmos e defendermos o que acreditamos, as vezes quando tenho que lidar com alguém assim eu ligo um deboche do mesmo tom para argumentos genéricos ou sínteses em palavras usadas de maneira pejorativa como a que você citou, porque geralmente eles não tem argumentos melhores. Eles não vão vencer :)
ResponderExcluirCota é um assunto que eu nem abro a boca porque sei que vou me irritar com esses idiotas que são contra um DIREITO. Convivi com essa gente que tinha tudo na vida e ainda se sentia injustiçado e, na boa? A melhor coisa que eu fiz foi me afastar desse lugar.
ResponderExcluirQue bom que existem militantes como você, Ametista.