quinta-feira, 17 de junho de 2021

Descobertas de uma vida

“Menina brinca com menina e menino brinca com menino”. Lembro de meus pais pregando

isso repetidas vezes, eu ainda criança. Na época, não entendia bem o motivo. Hoje, aos 41

anos, acredito que queriam evitar - ou atrasar - algumas descobertas inadequadas à minha

pouca idade... Está bem. Lá fui eu brincar com meninas.


Anos se passaram e eu vivia rodeada por minhas amigas. Lembro de certa vez brincar com

uma delas no meu quarto, como de costume. De repente, ela vira para mim e propõe na lata

“vamos brincar de namorar?”. Eu, como toda pessoa que não sabe bem que resposta dar,

respondi com outra pergunta: “como?”. “Ué, como nas novelas!”, ela disse prontamente,

parecendo a mais sábia das adolescentes. Pensei, pensei e concluí que tão errado não devia

estar, afinal era menina brincando com menina.


Pois pronto: topei. Sem saber direito como seria, afinal, nas novelas que assistíamos nos anos

90, mulheres namoravam homens e só. Fizemos como eles: conversa pra lá conversa,

conversa pra cá e do nada um beijo. Um beijo, como nas novelas. Lembro a sensação da

descoberta. Era como se eu tivesse mordido a tal maçã da história que meus pais contavam.

Não lembro bem. Eu só ia a batizados e missas de sétimo dia.


Comecei a procurar na TV, nas ruas, em todo lugar namoros como o da brincadeira e não

achava. Quando finalmente vi um, ouvi alguém dizer “Desconjuro! Como pode uma pouca

vergonha dessa?”. “Pouca vergonha de que?”, perguntei. “Essa pouca vergonha de mulher

com mulher”, a moça respondeu. Fui até minha amiga, disse que a tal brincadeira acabou e

que o assunto estava enterrado. A maçã era boa, mas Deus me livre de ser expulsa do jardim!

Então, comecei a entender que, quando a “brincadeira” é namorar, a coisa muda: menina

brinca com menino e menino brinca com menina. Que coisa doida. Vai entender... A não ser

que rompa com as expectativas que o mundo despeja em você e mostre a ele que o amor é

livre e não cabe em moldes ou caixinhas.


Avançando a história para encerrar o papo, eu cresci, curti, estudei. Hoje, trabalho, vivo bem

e sou casada com alguém que amo muito. “Desconjuro! Como pode uma pouca vergonha

dessa?”, algumas pessoas falam quando nos vêem juntas. E a vergonha é pouca mesmo: é

nula. O que há de errado? Aprendi com meus pais: meninas com meninas.

Aspirante Ao Que Eu Quiser 

23 comentários:

  1. Sensacional! Gostei muito mesmo, aspirante. Fiquei completamente envolvido na sua escrita, e adorei a história. Parabéns!

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  3. Legal, Aspirante Ao Que Eu Quiser. Achei interessante seu texto. Só fiquei com uma dúvida: Se o personagem central da narrativa tem 41 anos, as novelas da infância dele não seriam nos anos de 1980?
    Ademais, eu achei a história bem interessante e uma crítica bem atual.

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    1. Obrigada pela observação, Perua. O fato se passou na adolescência. No início do texto, busquei a lembrança na infância pra contar o caso. Que bom que achou a história interessante!

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  5. Adorei! Que texto. Querem nos impor tantas suposições que quando seguimos reclamam? Difícil, rs. Parabéns, Aspirante.

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  6. Adorei o seu texto Aspirante! No mundo, sempre existiram, e sempre vão existir, pessoas para julgar o que devemos fazer, como devemos nos comportar e quem devemos amar, mas o mais importante é vc tomar as suas próprias decisões! Parabéns por sobrepor todos que já te julgaram e pela crítica no texto, espero que vc seja muito feliz com o seu amor!

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  7. Lindo texto!! Li várias vezes e me emocionei em todas, parabéns!

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  8. Texto incrível, li algumas vezes e em todas consegui sentir a emoção dedicada nele

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  9. Parabéns pelo texto, Aspirante! O amor é livre e ninguém pode dizer o contrário.

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  10. Amei o seu texto, aspirante! Inclusive, me identifiquei em algumas partes. Viva o amor!

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  12. Aspirante, fico feliz em saber que você encontrou o amor, espero que com o tempo e o amor, pensamentos e barreiras se quebrem, boa sorte na caminhada, Axé!

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  13. Eu simplesmente amei o texto, a forma que a história foi contada e o final foram incríveis, parabéns Aspirante !!!

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  14. Eu gostei muito do texto, da forma como você escreveu, da analogia do beijo com a mordida na maçã (foi como se passasse um filme na minha cabeça). Sinto como se pudesse ler mais se o texto fosse mais longo, ao mesmo tempo que acredito ter a quantidade certa de linhas! Bjs! S2 ( escrever em um blog me faz ter vontade de usar emoji com letras haha)

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  15. Amei seu texto e sua analogia! O ultimo paragrafo foi perfeito, a vergonha é nula como dever ser. Parabéns pelo texto e pela história.

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  16. Aspirante, excelente texto! Me envolvi do início ao fim. Se é livre, se é de verdade e se é leve: é amor. Parabéns!

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  17. Que texto incrível, Aspirante! As ótimas analogias feitas pontualmente fizeram eu me envolver ainda mais com a história incrível.

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  18. Que texto sensacional, Aspirante! todos deveriam ver e sentir o amor assim: sem amarras, sem moldes ou caixinhas. Meus parabéns!

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  19. Que texto sensacional, Aspirante! todos deveriam ver e sentir o amor assim: sem amarras, sem moldes ou caixinhas. Meus parabéns!(o último comentário saiu como desconhecido, então estou publicando novamente como Lua Nova)

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  20. cara, que texto perfeito! foi um aconchego enorme pro meu coração por um milhão de motivos. eu amei não só a leveza, a sinceridade e a simplicidade do texto, mas como você fala de uma forma super maravilhosa sobre o assunto, foi muito bom ler a sua crônica e eu tô doida pra ler seus próximos escritos ❤

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