Recalque

Poucas coisas dão tanto medo nessa vida do que os medos por nós suprimidos. Sempre tive

inúmeras inseguranças e talvez a maior delas seja a de eu ser como sou, simplesmente. Nãs sei,

talvez eu tenha criado expectativas demais sobre as expectativas dos outros comigo, parece

complicado, e eu acho que deve ser mesmo. Não é fácil expressar o que se sente, às vezes é mais

cômodo tentar sentir o que se expressa, tentar se enganar, esconder a insegurança... Mas o quê

fazer quando não consigo ao menos expressar um falso sentimento? Quão melhor era o tempo

em que eu não sabia esconder meus medos, na inocência da infância tudo era mais fácil, assim

que sentia já expressava, verbalizava com destreza, sem enrolações ou voltas, de forma que

qualquer um poderia entender. Quando crescemos, a vida parece se expandir ao mesmo tempo

em que diminui. Um vasto mundo se abre ao mesmo tempo em que diversos outros mundos se

fecham, reinos inteiros, diversas amizades não suportam essa transição. De repente, me vejo

crescido e com o medo de não ser aceito, de nunca mudar, de não conseguir fomar laços

profundos com as pessoas. Eu sinto realmente não ser capaz de estreitar qualquer relação, com

medo do que as pessoas poderão achar do meu eu nu. Ah, mas se fosse na infância, em um dia eu

faria meu melhor amigo, em uma brincadeira na rua eu me apaixonaria, odiaria alguém que

roubou minhas bolinhas de gude, sentiria tudo, não teria medo de expressar, não tentaria me

enganar, e, sobretudo, não sentiria vergonha de agir da minha maneira.

Não sei, talvez eu nem tenha tantas expectativas na vida, mas eu almejo voltar a ter aquela

confiança de outrora, aquela fé cega, aquela animação no sábado de manhã, quando sabia que

iria para a praia e somente isso importava na minha vida naquele momento. Enquanto isso não

acontece eu tento lidar com o recalque e viver sem medo, ou melhor dizendo, com a conciência

dele, pois a vida não existe sem medos, também não existe sem coragens e esperanças.

Cabide Esculhambado