quinta-feira, 24 de junho de 2021

Se tu não sábadais, não impeças que eu sábadis.

‘’Todo mundo espera alguma coisa de um sábado a noite, bem no fundo todo mundo quer zoar’’


Era o que tocava no fundo. Enquanto eu me arrumava para mais um sábado à noite.



Mas eu antes eu gostaria de rebobinar um pouco as coisas. 



*


De tarde, saí do trabalho e vi uma linda sandália na vitrine de uma loja. Sabe, aquelas sandálias tipo as que a gente vê as atrizes em cena limpando a casa, fazendo comida. hum, lindas! Daquelas sandálias refinadas, mas que parecem que estamos usando como quem vai no mercado fazer compras. Pra você entender ela era rosa bebê, tinha um salto mediano, tipo aqueles que os ortopedistas indicam para os pés das jovens mais maduras. 



Contei mentalmente quanto eu tinha de dinheiro na conta e falei comigo mesma: vou comprar, eu trabalho para isso! Comprei.


Cheguei em casa, já calcei para dar aquela geral no ambiente. Lavei louça, varri casa, passei pano… lavei até o banheiro calçando a sandália. Me sentindo a própria atriz hollywoodiana. 



No finalzinho da tarde, um amiga, com quem fazia alguns meses eu estava dividindo a mesa e a conta nos bares em finais de semana, me ligou e eu perguntei: 




- Qual a programação de hoje?



e ela me disse: 




- Hoje quero que você conheça meus irmãos. Amanhã é aniversário da minha mãe e meus irmãos vieram passar o final de semana. 


 


Perfeito. Vamos!



Comecei a me arrumar e soltei aquela playlist. Pronto. Chegamos ao ponto inicial.



*



Procurei uma roupa que atendesse as demandas da noite outonal mas que também combinasse com a minha nova aquisição. E fui. 



Chamei um moto taxi, eu, a mulher que sou, é que não chegaria com a minha linda sandália apé. Por favor. N e m C o m b i n a. 



Assim que cheguei a encontrei com uma irmã e um irmão. Ela e a irmã eram gêmeas, mas até o irmão podia confundir os desavisados de que outrora havia existido uma gestação tripla. Impressionante! até as roupas deles eram iguais. Parecia até aqueles gêmeos bebês que a mãe veste com a mesma roupinha. Só vendo para crer.



Logo, notei nos dois novos irmãos, aquele olhar que eu via nas minhas amigas e nas mães das minhas amigas quando eu ainda era criança. Tudo bem, deixei passar. O problema é que a minha amiga, não.


Eu já havia notado nela um desejo reprimido de ser um pouco como eu era. Falante com todos. Desejada por todos. E sem precisar deixar de ser quem eu era: a Perua de sempre. 


Então, a minha amiga achou que a conversa que iria permear a nossa mesa era o fato de eu estar arrumada e de salto, num bar. Estranho, porque não era a primeira vez que ela me via daquele jeito. Os irmãos, tudo bem, que ao contrário dela, estavam me vendo pela primeira vez, poderiam até estranhar. E foi o que aconteceu.



- Chega bonita assim, mas e quando volta? Sandália na mão?

- Pra que sair de casa assim? Toda chamativa.

- Olha, ela passou iluminador nas bochechas. Quer ficar mais iluminada que as luminárias do bar?

- Pra quê esse batom? Tá pensando que ia aonde?


Essas e outras frases de efeito era o que ela soltava. Seguida pela risada dos irmãos. 


Eu tenho certeza que o olhar que eu vi deles no início, não era o olhar de quem estaria rindo daqueles comentários. Era como se eles tivessem correspondendo da maneira esperada pela minha amiga pelo fato deles serem irmãos e, claro, parecidos. Como se ela tivesse sobre eles uma semelhança e um poder de controle que eu não tinha. 



A princípio, eu fiquei com uma incógnita na minha cabeça. ‘’isso está acontecendo mesmo?’’ Mas eu logo vi que estava.  E rebati.


- Eu gosto muito de sair de você para curtir os finais de semana, mas hoje não está legal. Sinto que você está com algum problema comigo.  



Quando os irmãos é que resolveram deixar de usar a boca para dar risadas e assumiram o papel de falantes na situação. 


- Você está pesando o ambiente!

- Desnecessário o que você está falando!

- Está ridícula mesmo.

- Você acha mesmo que a nossa irmã estaria fazendo outra coisa além de falar a verdade?

- Essa amiga sua, irmã, não serve para andar com a gente não.

- Por que trouxe essa palhaça de circo?


Eu fiquei pre-té-ri-ta. Como poderiam eles estarem pretendendo estragar o meu sábado?



Me levantei, paguei a minha parte da conta. E fui sentar numa mesa de belos rapazes que estavam adorando uma mulher calçando aquela linda sandália, usando iluminador e batom vermelho. Aliás, ali eu só ouvi elogias e externalização das consciências capazes de processar a minha maravilhosidade e a importância de tê-la ao lado.



 Os outros que são trouxas e trouxas não merecem a minha companhia. 



Don't call me Madam.



Prazer, 


Perua. 

9 comentários:

  1. Olá, Perua. Essas pequenas agressões do cotidiano sobre o ser de alguém são completamente sem sentido, mas machucam. Que bom que no texto já mostra a solução: se afastar de quem te faz mal e se aproximar de quem te faz bem.

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  2. Perua eu simplesmente ameeeeeeeeeei seu texto, eu super te entendo, também gosto de marcar presença e as vezes sou julgada por isso, infelizmente as pessoas só conseguem ficar felizes com a tristeza dos outros, que bom que vc não deixou se abater, eu faria o mesmoooo. Parabéns pelo texto.

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  3. Perua, que texto incrível! Estou amando suas crônicas. Leitura que envolve e prende. Continue assim.

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  4. Perua, adorei o desenvolvimento do texto e a última frase em específico! Parabéns pelas palavras e pelo seu esforço em trazer algo tão bem escrito e explicado.

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  5. Fez bem de não se importar! Gente assim não merece a nossa diversão de sábado. Amei o texto!!

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  6. Perua amei a forma como você usou o humor, mesmo sendo uma crônica sobre algo que mexe muito com a autoestima e a segurança! Só te chamo atenção para a forma que construiu a frase "com quem fazia alguns meses eu estava dividindo a mesa e a conta nos bares", pois ficou um pouco confusa.

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  7. É incrível como você conseguiu expor essas situações, que a princípio são tratadas como inofensivas, Perua. Durante a leitura, eu só conseguia lembrar de situações parecidas que eu já vi e pensar qual a necessidade de diminuir uma pessoa que está visivelmente feliz e bem consigo mesma? Eu achei a sua escrita maravilhosa e já estou ansiosa pelas próximas.

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  8. Amei o texto! Que Deus nos proteja da maldade de gente boa, né ? No começo não sábia se iria bater com o tema, mas bateu! A pura Inveja de não poder ser igual, né?

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  9. Perua, você com certeza fez o certo. Que bom que tem pessoas que valorizam quem a gente é, né?

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