quinta-feira, 24 de junho de 2021

Metamorfose Moderna

Dona Maria odiava duas coisas: se sentir insegura e insetos repugnantes. Ela acordou de

manhã, foi para a cozinha e viu um inseto nojento. Pulou, sentindo um cheiro terrível e gritou

para seu marido:

— Inseto, mata! Mata! Mata!

Porém, lembrou que seu marido não estava em casa. Não ouviu o usual barulho do calçado

batendo no chão “pá!”. E se sentiu insegura. Pegou sua xícara de café e foi para o trabalho.

No caminho, de carro, revirou os olhos e olhou para o celular quando viu uma placa com a

frase escrita: “tenho fome, me ajude”.

Não encontrou vaga no lugar de costume, então não hesitou em estacionar na vaga de

deficientes, afinal, ela tinha que trabalhar. Ela provavelmente usaria a vaga para fins

melhores. Saiu do carro fazendo uma careta de desgosto. Tinha um cobertor moribundo

cobrindo um odor horrível e estranhamente familiar.

Finalmente, entrou no prédio do trabalho e ignorou o bom dia do porteiro. Assim que passou

pela porta, Dona Maria já não esperava a hora de voltar para casa, e talvez quem saiba, passar

na igreja antes. Ainda se sentia insegura, e queria esquecer logo o que tinha visto.

Mais tarde, dois meninos dividindo a mesma bicicleta conversavam enquanto passavam na

rua de Dona Maria:

— Mano, vai dar ruim, esse não é o nosso lugar não, certeza que vão chamar a polícia

— A gente não fez nada de errado, Joca. Quer coisa eu fico e tu sai correndo com a bike!

Não deu outra, ouviram um carro de polícia no fim da rua, e o menino saiu da bicicleta para o

outro disparar para longe. O que ficou continuou correndo, mas freou quando ouviu o grito:

— Para! — o carro da polícia parou, e saiu dois policiais armados.

— Que isso! Eu não fiz nada! Eu não fiz nada! — bradou o garoto.

Os policiais fizeram o garoto agachar no chão, e depois, deitar. Já estava de noite, e o asfalto

estava frio. O mesmo asfalto que Dona Maria estava dirigindo seu carro para chegar em casa

da igreja. Tinha rezado bastante e se sentiu pronta para lidar com o inseto repugnante que

estava em casa.

Ignorou a comoção da rua, na verdade, nem percebeu. Estacionou na sua garagem e entrou

em casa com a guarda armada. Vasculhou e viu com o canto do olho o inseto saindo para

fora. Correu, encontrou algo rastejando no chão com aquele cheiro terrível naquela comoção

de antes e gritou para os policiais:

— Inseto, mata! Mata! Mata! — e escutou o barulho “pá!” “pá!”.

Agradeceu os policiais por terem matado o bicho nojento e foi dormir segura na cama.


Asa Monstro

9 comentários:

  1. Adorei o jogo com os insetos. Muito bom. tua crônica dialogou lindamente com o tema da semana além de, claro, muita originalidade.

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  2. Asa, que crônica fantástica! Super metafórica, mas muito verossímil também, hein? Parabéns. Você manda muito bem.

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  3. Eu amei demais sua crônica, o jogo de palavras está incrível e a narrativa muito intensa e entre metáforas passando uma mensagem clara e direta. Parabéns, você arrasou <3

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  4. Meu Deus! esse foi o texto mais forte que eu já li. Eu gostei bastante, parabéns!

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  5. Caramba, que crônica maravilhosa!! Acho que super captou o tema dessa semana. Parabéns!!

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  6. Muito bom! Sem palavras pra descrever! Leria muito mais do que você escrevesse!

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  7. Amei demais, demais mesmo. To perplexa com essa sacada.

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  8. Que texto genial!! Muito boas as tiradas e a forma que você construiu seu pensamento.

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