quinta-feira, 24 de junho de 2021

Cara, você é um ator

 Hoje cedo, na fila para comprar o pão quentinho do ritual diário de café da manhã - tá passada, geração Z? - ouvi um cara ao telefone : “Não pegou a Carla? Esse viado tá de sacanagem!”. Lembrei de um artigo de Todd Schoepflin sobre o livro Dude, you’re a fag (traduzido: Cara, você é um viado), de C. J. Pascoe. A autora passou um ano e meio em uma escola na Califórnia para fazer uma etnografia sobre garotos e masculinidade.


Antes de chegar à Pascoe, vou passar por Bauman, quando diz, em seu livro “Aprendendo a pensar com a Sociologia”, que há algo além de vontade própria que orienta nosso modo de viver. Nosso eu não é inato, é formado. Existem expectativas da sociedade - regras sociais - relacionadas aos grupos a que pertencemos.


Aprendemos a ser quem somos através das interações com o outro, afinal essas são as ocasiões de afirmar - ou romper com - regras sociais existentes. Na etnografia de Pascoe, os alunos buscam meios de cumprir os papéis sociais, as representações de modelos idealizados de gênero, para os quais desde a infância foram disciplinados.


À masculinidade, associam liderança, virilidade, força e racionalidade. Enquanto a feminilidade é associada a sensibilidade e fragilidade. No “teatro da vida”, as identidades de gênero são sustentadas por esses atos performativos, que a estudiosa Judith Butler chamou de performances de gênero. Tudo que foge a isso é passível a coerção social, que vai olhar debochado de rabo de olho até agressão física e morte. Homens não podem ser sensíveis? Homens não podem dispensar uma transa? Têm direito de considerar outras formas de existir tão desprezíveis que podem ser usadas como insulto?


A autora perbeceu que garotos usam o termo “viado” para insultar outros que tenham feito qualquer coisa que fuja às expectativas da performance do gênero masculino. Também que entre rapazes e garotas da mesma idade eles exageravam suas “proezas sexuais”, exalando orgulho e superioridade. Já com ela, conversavam sobre sentimentos de forma madura. Como canta Leoni, “perto de uma mulher, são só garotos”.


O que Pascoe viu em jovens numa high school da Califórnia eu vi aqui, no cara na fila do pão, e você provavelmente também já viu em algum lugar. E nesse jogo todo mundo sai perdendo, porque o que está em cheque é nossa liberdade de ser sem amarras. Vou requentar o pão que até esfriou depois de tanto pensar e escrever. Homens, pensem numa forma de descer do palco. Porque, pra essa performance, vocês não ganham nem cachê.


Aspirante Ao Que Eu Quiser

9 comentários:

  1. Aspirante, seu texto dói muito. Infelizmente, é a verdade. Eu não sei porque a gente é assim, mas é. Dá para mudar, mas não sei se vai ser tão cedo como gostaria. Realmente, no fim, somos só garotos com visões do que é "ser homem". Parabéns, sério!

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  2. Aspirante, seu texto está muito bem escrito e com grandes referencias, parabéns.

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  3. Fiquei feliz de ver que alguém abordou o narcisismo das pequenas diferenças relacionado aos papéis de gênero. Seu texto está muito bom!!! Desde a escolha da temática, até a escrita.

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  4. Gostei muito das referencias e o caminho usado para explorar o tema.

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  5. Aspirante, seu texto foi muito bem escrito e rico de referencias. Estou bastante ansioso, de verdade, para os próximos. Um ponto positivo que notei é que relacionou o narcisismo das pequenas diferenças com os papéis de gênero, do inicio ao fim manteve um padrão. Parabéns!

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  6. Aspirante, eu ainda estou em choque com a quantidade de referências incríveis. Depois de ler seu texto, eu parei pra analisar quantos aspectos da nota vida cotidiana não são rodeados pelo narcisismo das pequenas diferenças, principalmente nos papéis de gênero, óbvio. Seu texto ficou maravilhoso, parabéns.

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  7. Aspirante, muito legal seu texto. Apesar de ele ter muitas referências, sinto que se não bem escrito ele pode levar a monotonia de ler um texto acadêmico, por exemplo. Mas você conseguiu trazer a leveza de ler uma crônica junto com a curiosidade de buscar essas fontes. Muito legal, realmente.

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  8. Aspirante, primeiro gostaria de dizer que achei seu texto super dentro do tema! Além de muito bem inscrito, não entendi todas as referências, mas fiquei com vontade de pesquisar mais sobre elas! Então acho que seu texto cumpre essa função legal. Além de que da pra se identificar até o final por ser uma cena do cotidiano que muitos já viveram, e espero que tenham se incomodado!

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  9. Perfeito! Amei sua ultima frase. "Homens, pensem numa forma de descer do palco. Porque, pra essa performance, vocês não ganham nem cachê."

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