quinta-feira, 17 de junho de 2021

A primeira vez que eu fiquei feliz de ser contrariada

 Eram 17h50 do dia 17 de junho de 2020 quando a polícia bateu na minha porta

com uma intimação. Há quinze dias eu vivia em um estado de ansiedade constante,

aguardando por esse momento. Não me leve a mal, não sou ingênua o suficiente para

acreditar na tal da justiça brasileira, mas eu não tive outra opção.


Acontece que a educação católica é engraçada. Passei 13 longos anos da minha

vida lutando para tirar 7 nas provas de ensino religioso. Aprendi a ler a bíblia, a citar os

12 apóstolos, explicar as diversas parábolas de Jesus. No entanto, não é de surpreender

que esse ambiente nunca me contou sobre tudo que a Igreja sempre quis esconder.

Quando li “O Crime do Padre Amaro” fiquei embasbacada. Quanta podridão!

Claro, eu sabia que era tudo ficção, mas essa leitura me gerou algumas dúvidas. Não

esqueço o rosto da minha professora quando eu perguntei se a postura da Igreja com

padres que passavam dos limites era igual a descrita por Eça de Queiróz. Ela me

garantiu que não.


Imaginem meu espanto quando anos depois eu precisei denunciar casos de

assédio sexual dentro do meu impecável colégio católico. Corri com uma coleção de

relatos para professores, orientadores, coordenadores e diretores. Escutei que medidas

seriam tomadas, parei de frequentar aulas para evitar contato com o dito cujo, participei

de encontros repletos de indiretas que diziam como seria prejudicial ao colégio e a mim

que uma história como essa vazasse, até que, finalmente, fui prometida uma reunião

com o setor jurídico e aguardei o fatídico dia. Aguardei cinco meses até me formar e

perceber que tudo que eles queriam era se livrar de mim. E aí eu entendi que a omissão

católica não se limitava às igrejas.


Acontece que eu sou muito teimosa. Então, quando eu fiquei sabendo de novos

casos de assédio depois que eu me formei, eu sabia que eu não podia ficar quieta. Era a

hora de envolver a mídia, jogar o nome de todo mundo na rodinha e contar com a justiça

que eu nunca botei fé.


Eram 19h05 do dia 16 de junho de 2021 quando eu recebi uma mensagem sobre

a Ação Civil Pública que o MP instaurou contra o meu colégio por omissão e contra a

própria direção por não ter feito nada. Não me leve a mal, eu não sou ingênua o

suficiente para acreditar na tal da justiça brasileira, mas, foi um alívio tremendo sabe

que, pelo menos dessa vez, eu estava errada.


Sara Maga

16 comentários:

  1. Que história, Sara! Parabéns pela coragem, por não se calar e enfrentar, ainda que fizessem de tudo pra te silenciar. Eu e todas as mulheres que passam por isso todos os dias agradecemos. Excelente texto.

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    1. Eu costumo dizer que não foi coragem , foi desespero.. realmente não tinha mais o que fazer.
      Que a gente cada vez menos precise passar por isso.
      Obrigada!

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  2. Sara Maga, não são todos que teriam a sua coragem, tenho orgulho de você, por ter levantado a sua voz e por não desistir, você é um exemplo de luta para todos que não teriam força para gritar. Te desejo tudo de bom!

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    1. "Se você não consegue falar por você, fale por todas as outras mulheres que estão na mesma situação". Foi o post no Instagram que me motivou e até hoje me motiva a levar toda essa história em diante. A força pra gritar não é intrínseca, é construída. Tudo de bom pra gente!

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  3. Você é extremamente corajosa, Sara! Graças a você, outras mulheres não precisarão passar pelo mesmo. Parabéns por isso e pelo texto!!

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  4. Oi, Sara Maga. Eu li o seu texto com a boca aberta e aflição. Ótimo texto, e sério, parabéns pela coragem, não é fácil fazer o que fez, ainda mais com uma instituição que diz que nada acontece de errado...

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    1. É, essas instituições são péssimas, mas de pouquinho em pouquinho a gente vai mudando.
      Obrigada!

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  5. QUE TEXTO, amei todo o enredo e como vc o contou, sua coragem foi magnifica, que o mundo seja formado por mais Saras. Parabéns pelo texto e pelo exemplo de vida !!!

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    1. Obrigada, Sinceron@! Que a gente não precise de mais Saras no mundo!

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  6. Sara, que história!! Parabéns pela atitude que vc tomou desde o início diante dessa situação! Eu e todas as mulheres precisamos de mais atitudes como essa sua para que a gente não tenha que passar por abusos no nosso cotidiano. Seu relato é admirável, obrigada por tudo!

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    1. Na verdade minha postura no início foi totalmente diferente... não disse no texto mas essa situação durou em torno de 3 anos, 2 e meio dos quais eu passei calada e com medo. Denunciar acabou sendo minha última e única saída dessa situação péssima. Que com o passar do tempo esses absurdos diminuam.
      Obrigada!

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    2. Sara, não se sinta mal por ter demorado um pouco para expor essa situação! É algo muito complicado e difícil, e pode ser tão traumatizante que tem pessoas que acabam passando por isso e guardam para si pelo resto de suas vidas. Isso foi sim um ato de desespero, mas também foi um ato de muita coragem. Orgulhe-se pelo que você fez!

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  7. Curiosa pelos próximos textos. Voa, Sara. Deixa eu perguntar: Maga é um sobre nome ou um adjetivo porquê você é maga?

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  8. Que força e coragem, querida Sara! Sua denúncia é de uma grande valia para outras mulheres também. É um texto forte, mas que se faz necessário. Parabéns novamente pela coragem em denunciar e mais ainda em expor.

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  9. A primeira sensação de decepção com algo que acreditamos fortemente, isso não tem em nenhum dicionário a descrição exata. Me sinto cheio de orgulho por você, por sua coragem!

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