sexta-feira, 14 de abril de 2023

Partidas

Em uma manhã chuvosa de agosto, ele partiu. Apesar da minha pouca idade – quando as

emoções geralmente são mais efusivas –, minha comoção, naquele cais do porto, não fora muito

exaltada. No entanto, tal emoção não me revelara que tornaria a habitar meu pensamento diversas

vezes ao longo de minha vida.

Esse primeiro que partiu, João era o nome, foi quem me fez conhecer a amizade. Nos

conhecemos no jardim de infância, e seguimos amigos até nossos sete anos, quando enfim partiu.

Além da escola, íamos ao parque, jogávamos futebol de botão, frequentávamos festinhas de

aniversário. Nossa irmandade era bastante sólida, e isso me fazia crer que seguiria pelo resto de

nossas vidas. Até que, sem muito alarde tampouco aviso prévio, chegara sua hora de partir.

Como disse, não tive uma reação muito grande na hora de sua partida, acredito que pelo

desconhecimento do sentimento que viria a me acompanhar: a solidão. Fiquei descrente da amizade

e me tranquei para o mundo. Não me interessava mais conversar com alguém para além do

essencial, do básico para o convívio humano.

Após alguns anos, inesperadamente, surgiu Joana. Apesar de todo o meu histórico de

resistência, ela fez com que eu novamente encontrasse a tal amizade (embora, confesso, vez ou

outra ultrapassávamos o limite desse tipo de relacionamento). Nossa ligação tornou-se intensa

muito rapidamente, e sem demora eu já havia apagado da memória a problemática “solidão”. O meu

coração estava, naquele momento, cheio de idealizações, esperança, alegria, gozo. Não me passava

pela cabeça que ela partiria abruptamente.

Mas foi isso que aconteceu. Nessa segunda partida, meu pesar foi imediato. Estava mais

uma vez mergulhado num imenso pote de tristeza. No entanto, diferentemente da outra, logo entrei

numa fase de conformismo. Àquele ponto, já havia descoberto que minha sina seria viver longos

períodos de solidão interrompidos por poucos e breves instantes de companhia. Nos meus muitos

anos de vida, considero que aprendi a conviver com esses encontros e desencontros.

O último que partiu foi o porteiro do meu prédio. Devo assumir que, em muito tempo, senti

uma preocupação inusual com uma partida – não sei quem irá sentir minha falta se, por algum

acaso, a morte me alcançar aqui do meu apartamento.

-Suco de Soja.

2 comentários:

  1. Gostei da forma como o texto me prendeu, muito boa escrita.

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  2. interessante como o texto descreveu o processo de entrada e saída das pessoas na vida e a solidão, e o final do parágrafo gera uma boa reflexão para o leitor

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