sexta-feira, 14 de abril de 2023

Onde Nasce a Solidão

Gostaria de colocar minhas emoções em uma prateleira. Deixá-las guardadas significaria liberar um espaço que não quero preencher. Um vazio discreto para os outros, mas apreciado por mim. Essa falsa renúncia aos sentimentos me desliga do mundo, das mágoas passadas e, talvez, das dores futuras.

Observo, no dia a dia, o que está ao meu entorno e, de vez em quando, olho para as pessoas e me pergunto como seria a prateleira de emoções delas. A minha esconde, desde a infância, um único medo: a solidão.

A sensação de abandono me atingiu em diferentes momentos da vida. A rejeição sempre se fez presente, trazendo com ela uma angústia que me aflige até hoje, na vida adulta. Crescer sendo a criança que brinca sozinha no parquinho, crescer sendo a pessoa que nunca foi escolhida, crescer invisível, crescer sem nunca ter sido amada. Crescer só.

Percebo, então, que apenas aprendi a conviver com o espaço vazio, de pessoas e de sentimentos. A rotina continua, a lacuna fica. As conversas cotidianas acontecem, a solidão permanece. A vontade de deixar essa angústia para trás surge, o medo da rejeição impede. As emoções, discretamente, aparecem, a prateleira imaginária protege.

Não aprecio esse espaço vazio, ninguém aprecia, porque precisamos sentir. Na verdade, eu não gostaria de colocar minhas emoções em uma prateleira, mas cresci aprendendo a deixá-las guardadas lá, e ainda não consigo mudar.

-Lia Navarrette.


3 comentários:

  1. Linda crônica/relato! Emocionante a forma como as sensações foram descritas, principalmente no terceiro parágrafo.

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  2. Amei a forma como os sentimentos e emoções foram personificados. Me fez em pensar em como seria minha prateleira...

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  3. ótimo início de texto, que gera interesse no leitor e o desenvolvimento nos prende até o final, e ainda gera uma reflexão

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