Quando pequena, assim como a maioria das crianças, eu tinha medo do escuro.

Lembro até hoje da sensação de angústia, do temor de não saber o que estava ao meu redor,

que tomava conta do meu corpo assim que a luz se apagava. Para superar esses momentos de

aflição, eu sempre recorria a Dora.

Além de representar um porto seguro em meio ao pavor da escuridão, minha avó foi a

pessoa com quem mais tive proximidade na infância. Seja nas brincadeiras, nos passeios, nas

broncas ou nos consolos : em todas as lembranças que tenho desse período, Dora sempre se

fez presente. E foi por ter estabelecido essa relação tão próxima com ela que sua perda me

marcou tanto.

Aos onze anos eu perdi minha avó. Mas a verdade é que sua partida foi aos poucos. O

dia de sua morte só significou o fim de um longo e doloroso processo, por meio do qual eu vi

desaparecer aquela mulher forte e carinhosa que conhecia.

No início sua memória começou a falhar em situações simples. Confundia nomes de

conhecidos ou esquecia onde tinha guardado determinado item. A princípio era uma situação

normal, coisas da idade. Até que ela começou a se recusar a comer. Ver parentes que já não

estavam vivos. Achar que estava sendo perseguida. Não reconhecer mais sua família.

O dia em que minha avó me olhou e perguntou quem eu era foi o mais difícil da

minha vida. Saber que você se tornou uma desconhecida para alguém tão importante é

desesperador. E olhar para aquela pessoa que você tanto admirava e não reconhecê-la é tão

assustador quanto.

Desde essa experiência eu passei a ter medo,tanto de me esquecer daqueles que são

especiais para mim, mas principalmente de ser esquecida por quem amo. Medo de olhar nos

olhos de alguém e saber que eu nada significo. Saber que nada do que vivemos importa,

porque no fundo eu não passo de uma desconhecida. Medo de acabar na escuridão do

esquecimento de alguém.

-Noite Da Grande Paz Dos Teus Olhos.