Confesso que, durante a leitura do primeiro capítulo de “Dor Fantasma”, de Rafael Gallo,
uma das minhas impressões foi mais constante que as demais: a maneira como o personagem
principal, Rômulo, é um dos melhores no que faz e ainda assim é extremamente inseguro.
Rômulo é simplesmente o melhor intérprete de Liszt da atualidade, e também exerce o cargo
de professor de música. É esperado (ou desejado) que ele seja um profissional que tenha como
missão passar seu conhecimento a frente, ensinar músicos a serem ainda mais habilidosos. No
entanto, parece que essa função é, para o protagonista, apenas uma forma de oprimir seus alunos,
envergonhá-los ao fazer com que se sintam incapazes de serem tão bons quanto seu professor. É
absolutamente visível a camada de arrogância nesse comportamento, mas sob ela está implícita a
insegurança de alguém que tem medo de que outro seja tão competente quanto ele próprio.
Ademais, dentro de casa, o pianista se trancafia num quarto com isolamento acústico. Sua
relação com a esposa baseia-se na prestação de serviços desta. Ela cozinha, cuida do filho e da casa,
e seus assuntos pessoais não interessam em nada ao marido. Vê-se claramente o modo como a
mulher é inferiorizada nesse relacionamento. Apesar de podermos entender esse caso pela ótica do
machismo estrutural presente na sociedade, é possível ir além e observar o que fundamenta a
conduta do esposo: a insegurança de que seu cônjuge seja “melhor” ou tenha mais qualidades que
ele mesmo.
Acho que depois de todas essas constatações é possível se chegar a uma final: Rômulo pode
ser um dos melhores pianistas do mundo, mas também é um dos mais infelizes. Sua vida é pautada
em não parecer menor que ninguém, tanto no campo pessoal quanto profissional. O mais
contraditório é que ele consegue chegar ao ápice de sua ocupação e não consegue se sentir feliz –
não se livra dessa obsessão transformada em uma autocobrança excessiva e sem fim. Fica o
questionamento: quantos deixam de viver bem por causa de sua insegurança? Quantos têm atos
reprováveis por sua falta de autoconfiança?
Suco de Soja
Seu texto toca em pontos que eu não tinha pensado, gostei bastante.
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