Lobotomia
— Acho que você ficaria melhor com uma cirurgia.
Oito palavras em dois segundos; deve haver algum tipo de recorde pré-estabelecido para essa capacidade. Não é a frase mais rápida do mundo, muito menos a maior quantidade de sílabas ditas numa fração de tempo, mas foi a mais destrutiva dentre todas as que ouvi. Todas, não, talvez — afinal, certas dores só são processadas quando atribuímos significados a elas.
O meu instinto me obrigava a perguntar qual tipo de cirurgia. Seria uma estética, uma física, uma de correção, uma de extração? Exodontias são cirurgias, lobotomias são cirurgias, rinoplastias são cirurgias. A palavra seguiu na minha cabeça por muito tempo, repetindo-se como uma fala numa gruta fechada com eco. No fundo, bem no fundo, na parte mais escondida do meu âmago, eu entendia o que ela quis dizer e tinha total conhecimento de qual tipo ela se referia… Mas preferi fingir que não. Palavras de uma não-amiga, uma desconhecida favorável ao convívio saudável, não eram suficientes para me detonar.
— Eu pagaria pela sua cirurgia, filha. Tem certeza de que não quer?
As de uma mãe, são. Na verdade, as palavras nem doem tanto quanto o prender o choro, porque em situações como essa, as lágrimas parecem ter lâminas embutidas. Como diria a ela que eu tinha certeza de que eu não queria? Mães não são seres desligados da realidade; ela sabia sobre minha dificuldade com aquela questão. Por que a insensibilidade? Por que a insistência?
Deveria haver algo de errado só porque outros falavam como se fosse um problema, logo quando eu havia aceitado — e me aceitado — por inteiro? Eu já não achava mais aquilo passível de uma correção. Entretanto, de tanto martelarem uma ideia na minha cabeça, em pouco tempo ela se materializou.
A cura veio depois, sob noites mal adormecidas e dias mal amanhecidos, cálculos de Pitágoras e estudos de ângulos, correções em aplicativos e reflexos na televisão. Eu tenho esse costume de aplicar significado a coisas que não são tão profundas assim, e isso é, às vezes, algo ruim. Ruim porque me faz ver além do que realmente existe, me pondo em situações imaginárias. Às vezes, é bom — é como lobotomizar um trauma: aplicar choques e palavras até que ele fique apático e letárgico.
Inez Quadros
Inez, as palavras tem um peso. Essas mesmas palavras na boca de uma pessoa que te transmite cuidado tem o dobro do peso. Não entendi uma única coisa: o processo de cura.
ResponderExcluirQuerida Inez,
ResponderExcluirPalavras são como pequenos canivetes. Quando ditas por quem mais amamos, o corte se torna ainda mais profundo.
Entenda que: o padrão de beleza existe apenas como fruto do capitalismo, para que você viva numa eterna tentativa de encaixar-se com procedimentos estéticos.
Aceitar-se é um ato de resistência.
Sobre sua estrutura textual, senti falta de uma estrutura mais bem trabalhada em seus significados. O processo de cura já aconteceu? Você o vivencia no momento? Suas dores já não são latentes?
Agradeço pela oportunidade de compartilhar nossos traumas!
Com carinho,
Shaolin, o matador de porco
Inez Quadros, sinta-se acolhida nesse ambiente. O que você sofreu foi um ataque muito cruel, uma tentativa de mudar aquilo que é só seu: seu eu. Se você se sente bem com o corpo que tem e sua identidade se encaixa bem nele, deixe que os outros falem. Mesmo que sejam outros tão próximos.
ResponderExcluirVocê merece ser feliz, a sua vida é só sua e de mais ninguém.
Inez Quadros, parabéns pelo relato, nosso corpo é um templo e cabe a cada um de nós zelar por ele, não de forma estética somente, mas também cercando-o de proteção de maneira que as palavras e atos alheios não o atinjam. Todos temos contornos, cabelos, peles, olhos diferentes, a diversão mora no que é diferente, do contrário seríamos todos iguais e viver seria um tédio. Fico feliz por sua cura.
ResponderExcluirUm abraço afetuoso,
Lilith
Querida Inez, muitas pessoas não tem a noção de como as palavras delas machucam. Muito bom o texto.
ResponderExcluirFreddie Mercury
Inez, por mais que tenha te machucado, tenho certeza que a única intenção da sua mãe era te proteger. Mães são seres tão puros, que estão dispostas a intervir em nossas vidas para nos defender das mazelas desse mundo, mesmo tendo elas mesmas seus próprios traumas e dores. Quanto ao texto, senti ausência de uma estrutura que me permitisse realmente me conectar com você e estar na sua situação. Me senti do lado de fora de uma vitrine, observando a vida de alguém que não era contada especificamente a mim. Elogio sua capacidade de expressão, mas não pude sentir imersão.
ResponderExcluirInez, infelizmente as mães se acham no direito de nos julgar abertamente só por terem nos gerado, o que é uma ideia totalmente errônea e absurda. As palavras ditas por ela doem tanto quanto, ou ainda mais, do que de qualquer outras pessoa. Amor não devia julgar ou machucar assim e te entendo totalmente. Sobre seu texto, achei que foi extremamente bem escrito, você é muito boa com as palavras.
ResponderExcluirCom carinho, Aria.
Inez, lamento que você tenha passado por essa situação. Acredito que a sua mãe só estava tentando te proteger e não tenha percebido o quanto as palavras dela te magoaram. Infelizmente nossas mães nem sempre percebem quando agem erroneamente em certas situações. Sobre o seu texto, achei bem escrito e poderoso. Você soube se expressar. Só não consegui identificar como ocorreu o seu processo de cura.
ResponderExcluirCom carinho, Elizabeth.
Inez, sinto muito, sei como alguns comentários podem nos afetar tão profundamente. Quanto ao texto, gostei da sua escrita mas senti falta de uma estrutura mais clara, não entendi a construção da cura.
ResponderExcluirInez, você escreveu um ótimo texto. Parabéns pela construção e organização de ideias, eu gostei bastante de ler e me identifiquei facilmente com você. Acredito q cheguei mesmo até a sentir a confusão expressa nos primeiros parágrafos. Apesar de ter conseguido, de certa forma, sentir um pouco do q vc sentiu, não consigo imaginar a tormenta de viver uma situação como essa. Espero q vc encontre uma saída e volte a se aceitar sem se deixar incomodar pelo pensamento de outros, mesmo q sejam de pessoas tão próximas e importantes.
ResponderExcluirInez, receber um comentário que te incomoda de uma pessoa que você menos espera traz um sentimento horrível, que foi muito bem representado na sua escolha de palavras e em seu texto por inteiro, parabéns. Consegui me identificar em diferentes partes de seu texto. Em relação à estrutura, achei muito interessante o uso frequente das interrogações e dos questionamentos, expressando uma certa confusão em seus pensamentos. Parabéns.
ResponderExcluirQuerida Inez,
ResponderExcluirSinto muito, infelizmente a palavra empatia só existe no dicionário para alguns. Não se deixe abalar por isso.
Você escreveu um texto ótimo, com uma boa construção de idéias. Me encontro ansioso esperando seus próximos textos.
Com carinho, Bial.
Querida Inez, aceitar-se é o mais alto degrau a ser subido.
ResponderExcluirA aceitação dos outro é parte do processo!
A falta de empatia nos dias de hoje é absurdo. Ainda mais quando ela vem de quem amamos, torna-se um peso, um trauma a ser superado...
Fique bem! Com Carinho, Glória Maria!