sexta-feira, 22 de abril de 2022

 A felicidade momentânea

Era uma manhã ensolarada de domingo. O som do vizinho já estava nas alturas, tocando os melhores sambas e pagodes que embalam um bom churrasco em família. Acordei com o barulho e logo vi a claridade atravessando a fresta entre as cortinas brancas do meu quarto. Como de costume, estendi o braço para alcançar o celular no criado mudo. Vi que passava das onze e eu ainda estava deitada com a roupa da noite anterior. Levantei, ainda um pouco sonolenta, e me encaminhei para o banheiro. Tentava a todo custo lembrar de tudo o que tinha acontecido na madrugada anterior, mas apenas alguns flashes estavam em minha mente. Ressaca. Posso afirmar que uma das piores que eu já tive – mesmo não gostando tanto de beber, manhãs como essa se tornaram corriqueiras depois de longas madrugadas em baladas e festivais no Rio. Meu corpo estava muito cansado e a mente conturbada com vagas lembranças. Por fim, decidi tomar uma boa ducha quente.

Quando voltei ao quarto, abri o whatsapp e veio uma enxurrada de mensagens e mídias da noite anterior. O grupo estava bombando com todos os acontecimentos do rolê. Loguei no instagram e notei várias notificações: fotos e stories de uma madrugada muito louca – e em todos os registros eu parecia estar feliz. Quem olhasse aquelas fotos jamais diria que estou passando por uma crise familiar, como também por uma crise financeira e guardando muitas decepções bem no fundo do meu ser. A verdade é que você pode me ver em uma festa – curtindo e vestindo o meu melhor sorriso – e ainda assim acreditar que eu sou feliz. De certa forma, sou feliz momentaneamente. Sou feliz para os flashes e filmagens. Sou feliz nas redes sociais e deixo transparecer a imagem de uma vida bem vivida e sem turbulências. Ninguém sabe que a noite me corrompe e me visto da versão que eu não consigo sustentar durante o dia. Só assim, vivo a “felicidade” que não tenho na maior parte das vinte e quatro horas diárias.

De repente, o celular tocou e o meu fluxo de consciência foi interrompido. Era minha amiga, Mirela.

– Safada! O que aconteceu que você não deu sinal de vida? Estão todos preocupados porque você não avisou se chegou bem e não atendeu o celular. Tô ligando pra avisar que a galera vai se reunir na casa do meu pai pra almoçar. Se arruma logo e vem pra cá!

Recentemente, soube que os pais da minha amiga se separaram. Muitos conhecidos nossos suspeitam disso, rola uma fofoca. Mas, até agora só o nosso grupo teve a confirmação. Felizmente, ela mesma me contou. Esse tipo de coisa não se espalha nas redes. Por isso, o que me conforta é saber que eu não vivo a felicidade momentânea sozinha. Passamos por situações que não condizem com a exibição na era das redes, e está tudo bem.  

Por Elizabeth Bennet

2 comentários:

  1. Cara Elizabeth, seu texto é muito bem escrito e,por isso, dotado de uma fluidez tão convidativa. A maneira como você abordou quem você é o que aparenta ser me fez ficar absorto em toda narrativa. A riqueza de detalhes, os verbos adequados ao momento narrado e as construções linguísticas foram excepcionais. Você é uma grande escritora. Ansioso para ler mais textos seus.

    Até breve.

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  2. Elizabeth, Beth, Liza, Lilibeth... Seus textos sempre me cativam e me dão vontade de lê-los até o final. Sinto que cada semana você me mostra uma parte diferente de você mesma, e estou amando essa viagem. Suas palavras e a forma que você as organiza são impecáveis, parabéns.
    Com afeto, Argus.

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