segunda-feira, 11 de abril de 2022

O veneno 


Engraçado como as coisas são. Passei muito tempo tentando bloquear uma lembrança, um triste e inesquecível momento. Um dia desses foi perguntado qual era o meu maior trauma, então eu fracassei. Falhei ao lembrar de tudo que escondi de mim. Será que naquele momento meu medo teria retornado? A pouco tempo descobri que ele sempre esteve aqui, eu o guardei dentro da imensidão que sou. 

Voltamos então no momento em que eu pensei que me destruiria por completo. Era uma tarde de quinta, nada fora do comum, quando uma pessoa que eu confiei ao ponto de colocá-la no posto de amigo, pensou que tinha algum  controle sobre o meu corpo. Um assédio sexual, não o primeiro, mas o que veio de alguém que tinha a minha confiança. A partir daí, logo eu tão comunicativa perdi as palavras, a capacidade de transmitir uma destruidora mensagem. Você já se sentiu tão fraco por dentro ao ponto dos seus comandos falharem? Ao ponto do seu corpo já não te obedecer? 

Uma amiga que estava ciente de como o abuso sofrido me afetou, disse que sou grande demais para deixar que aquele momento me possua. Sinto verdade em sua fala, inclusive a levo comigo. Sou, ou melhor, somos verdadeiros gigantes que não devem temer pequenas formigas, mesmo que suas picadas sejam dolorosas e venenosas. Sinto que esse processo de deixar de ter medo é complexo e eu ainda não me curei do veneno por completo. Ainda.
Por Dandara dos Palmares

8 comentários:

  1. Querida Dandara,
    Admiro a coragem nas entrelinhas de seu texto, somos pequenas fortalezas sofrendo ataques constantemente.
    Quanto ao assédio, não se perca na miniatura da mente de alguém que se permite o privilégio de gerar traumas em outras pessoas.
    Seu texto é cativante e com um jogo de palavras que me capturou, agradeço pela oportunidade de compartilhar seus traumas conosco!
    Com carinho,
    Shaolin, o matador de porco

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  2. Dandara, pela sua simples estruturação de palavras, pude extrair a mensagem principal, mas não me senti convidado a entrar. Ler seu texto foi como ser atendido por uma pessoa que te responde por cima do muro, sem abrir a porta. O objetivo e o cerne foram claros, mas impessoais. Talvez a resposta do seu trauma esteja justamente nisso. Não podemos simplesmente nos obrigar a esquecer as coisas, porque "já somos grandes demais". Como escritores, temos peso em nossas palavras, e muitas pessoas ainda não cresceram o suficiente pra engolir o choro. Muitas vezes a cura do nosso veneno está nas lágrimas que nos recusamos a derramar.
    Com afeto, Argus.

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  3. Dandara, é perceptível como foi devastador ter passado por essa situação com alguém em quem confiava. Gostei da forma como se dirigiu diretamente ao leitor no segundo parágrafo: se por acaso alguém tivesse dificuldade em se identificar, se veria incluído na conversa. Seja forte e não deixe q formiguinhas interfiram na sua vida, mas não se cobre tanto: de vez em quando é preciso reconhecer q estamos feridos pra nos tratar e deixar cicatrizar.

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  4. Dandara, todas as palavras parecem pequenas para expressar como lamento por ter vivenciado esse trauma. O medo vai aos poucos se desfazendo e te fortalecendo. Você é uma guerreira. Amei seu texto e as palavras extremamente bem escritas.
    Com carinho, Aria.

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  5. Dandara,sinto muito que você tenha passado por isso. É terrível vivermos em um país tão hostil para as mulheres. É hediondo que tenhamos que conviver com quem ultrapassa os limites dessa maneira, sem receio e com tanta desfaçatez. Adorei as metáforas que você utilizou, enriqueceu muito o seu texto. Espero que você consiga pisar nessa formiga que tanto a machucou.

    Abraços

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  6. Dandara, lamento muito que você tenha passado por essa situação, ainda mais com alguém de sua confiança. Você não está sozinha. Também já passei por situações de assédio e o medo nos paralisa na hora. Temos que continuar lutando por respeito, somos gigantes e ninguém tem direitos sobre o nosso corpo. Obrigada por compartilhar o seu trauma, me senti em uma breve conversa com alguém que me entenderia tanto.

    Com carinho, Elizabeth.

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  7. Dandara, é angustiante saber da situação vivida por você, sinto muito, parabéns pela coragem de expor esse trauma tão pesado e profundo. As metáforas utilizadas no texto me deixaram muito mais imerso na sua produção, li tudo num piscar de olhos. Ansioso para seus próximos textos, parabéns.

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  8. Querida Dandara, sua coragem de expor esse trauma é admirável!
    Não é qualquer um que consegue pôr para fora algo tão sério. E você fez isso com excelência! Seu textoé ótimo e muito profundo!

    Fique bem!
    Com amor, Glória Maria!

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