Corda-bamba
O barulho das teclas para de ecoar pelo meu quarto assim que eu termino de digitar a resposta àquela mensagem. Meus pés batem um contra o outro, suspensos no ar, e a sensação, a mesma que aparece sempre que eu entro no personagem, volta para debaixo da minha pele, eriçando os pelinhos na derme e me fazendo repensar minhas falas, entradas, deixas e tempo na coxia.
Acabei me acostumando a atuar, apesar de nunca ter feito uma aula de teatro.
Em menos de dois minutos, a minha resposta é respondida. Uma série de letras k em caixa alta. Rio sozinha. Me coloco a pensar em mais piadas a serem feitas, mais desenvolvimentos e desdobramentos de um mesmo assunto, mais uma forma de continuar me equilibrando nessa corda-bamba que me obriga a ficar entre o que eu realmente gostaria de dizer e o que eu acho que as pessoas querem ouvir.
Esse sentimento se tornou recorrente; o reflexo do celular me encara como se olhasse através de mim, como se houvesse, na verdade, um mestre nas minhas costas puxando as cordas e me comandando a fazer x, agir de forma y e escrever z. Geralmente, ela é pequena o suficiente para ser ignorada. Às vezes, entretanto, ela vem tão forte quanto uma onda que te pega de surpresa, não lhe dando a chance de mergulhar. Querer que as pessoas gostem de você não é um defeito até que ponto?
Hoje em dia, tornou-se fácil entrar no personagem. Quase como uma sequência de frames de um filme, eu pego a maquiagem, a roupa, a peruca, as botas, o perfume, os brincos e o casaco, mas todos são metafóricos. Todos são acessórios que me ajudam a esconder a insegurança de, no fundo, ser uma pessoa… Chata. Desagradável. Entediante. Meu figurino esconde o tremor em meus dedos quando me dirijo a alguém novo e faz sumir a confiança fingida que se apodera de mim quando preciso ser maior que a própria vida. Queixo erguido, peito aberto, nariz altivo, sorriso descarado — “Eu nunca vi você insegura!”
O excesso mascara a falta, e eu acabei morando nele por tanto tempo que ele se tornou parte de mim. Um dia, a corda-bamba vai ser cortada, uma tesoura afiada, feita de palavras maldosas e sacadas bem feitas, e eu vou cair na minha própria armadilha. Alguém vai apontar as incongruências entre a Inez da tela de retina e a Inez do casaco colorido de listras. Tentarei afugentar esse fatídico dia o máximo que eu puder, buscando aceitar que talvez eu seja, sim, chata e entediante. A adrenalina atinge um máximo em qualquer um, e é impossível estar no pico dela o tempo todo. Todos nós somos tediosos em algum momento.
O passarinho azul me contou que cinco pessoas riram do que eu escrevi. Da próxima vez, podem ser sete, oito, nove. Sigo digitando, esperando que, se eu realmente cair da minha corda-bamba, alguém esteja lá para amortecer.
Por Inez Quadros
Inez, o seu texto dialoga muito bem com o da Manuela Licore. Parece até que vocês têm uma espécie de conexão. E vocês terminam quase com a mesma resposta : voltar à rede social enquanto nada muda. Agora falando só sobre o seu texto, gostaria de dizer que está tudo muito bem feito. Se você é chata, só queria exclamar: viva as pessoas chatas, porque elas escrevem muito bem! Que crônica, sério, você nos presenteou. Encantado por cada minúcia e construção. Você parte do micro ao macro e isso me deu uma narrativa muito gostosa de ser lida.
ResponderExcluirObrigado.
Abraços do Liev