segunda-feira, 11 de abril de 2022

Banho de mar

Oito e meia da manhã. No relógio digital da rua marcam 35 graus, sensação térmica infinitamente superior. Pergunto-me, sinceramente, como pode fazer tanto calor uma hora dessas da manhã. Graças a deus é feriado. Só da pra gostar do calor do Rio no ar-condicionado ou na praia, do contrário é hipocrisia. Desloco-me, enfim, para fora do calçadão e meus pés se encontram com a areia morna da praia do Leme, que mais tarde estará pelando. Ando tranquilamente sobre a areia. A maresia graciosa do Rio de janeiro invade meu olfato e refresca minha pele gerando aquela tão desejada sensação de paz, um escape, enfim. É incrível o poder que as praias dessa cidade possuem; são quase como terapia, trazem uma leveza inexplicável, acalmam até o mais inquieto dos pensamentos, praticamente um carinho na alma. A curta caminhada se encerra e finalmente me sento na areia observando o mar.

A espuma de um mar agitado chega aos pés daqueles que estão sentados mais a frente e promete se intensificar com o tempo, demonstrando a beleza furiosa da natureza que encharca as cangas dos distraídos e por vezes leva consigo um chinelo alheio. A agitação das águas remete aos meus pensamentos e do porquê de estar ali. Ir à praia no famoso calor de 40 graus do Rio obviamente é um refresco para o corpo, todavia pra mim é mais do que isso. Gosto de pensar nesses momentos um pouco mais introspectivos e à mercê da natureza como oportunidades para de fato conseguir me ouvir, me questionar, e quem sabe tentar encontrar algum tipo de resposta que nunca está lá.

Uma onda quebra. Ouço a espuma retornando ao mar. Silêncio. Olho fixamente para um ponto vazio no horizonte e por alguns segundos minha visão permanece fixa ali. Outra onda quebra. O movimento da espuma sobre a areia remete a um esforço de tentar chegar a algum lugar mas sempre ser puxado para trás. Silêncio. Outra onda quebra. Por que a gente faz tanto esforço pra se puxar para trás? Outra onda quebra. Por que nunca acreditei em mim e me permiti chegar aonde sempre quis? A espuma retorna ao mar. Saio do transe e penso com mais clareza. Por que eu nunca me permito ser eu mesmo? Que força é essa que impede que a minha vontade de ser, de curtir, de acreditar em mim, se vá tão rapidamente? Por que eu nunca sou ou serei bom o suficiente? Questionamentos que vêm e vão como as ondas do mar – eternos, incansáveis, indomáveis. Talvez esteja na hora de finalmente parar de lutar contra a maré. Talvez agora seja a hora de, enfim, me deixar levar, relaxar, me permitir sentir. Por que continuar a fazer tanto mal a mim mesmo? A vida é, sim, repleta de dúvidas. Não vou ter ou encontrar as respostas sempre. Não vou ter certeza em todos os momentos, inclusive naqueles em que estava mais certo, o incerto, de certo, baterá à porta. Por que tentar ignorar as forças que vem de dentro pra tentar se provar para outras pessoas que nem de fato se importam com o que está acontecendo. Eu preciso viver a minha vida. Eu sei o que me faz bem e o que faz mal, logo não há motivo pra continuar me torturando com escolhas que não vão me levar a lugar algum. Cansei de lutar contra mim mesmo. Cansei de nadar contra a maré.

O sol está mais forte e o calor já incomoda mais. O telefone toca. É Amanda. Nos falamos rapidamente e ela me localiza em meio a alguns guarda-sóis. Nos abraçamos e ela pergunta se eu consegui passar pra jornalismo. Eu digo que sim. Ela sabe da confusão mental e da vontade que eu tinha de conseguir isso há tempos, mas nunca me permiti tentar. Conversamos por um tempo e antes de pedir um mate pra continuar o papo, decido dar um mergulho. A água estupidamente gelada alcança meus pés,num contraste com o calor, gerando uma sensação de alívio imediato. O banho de mar me renova, mas o mais importante: a sensação de finalmente acreditar em mim traz paz, juntamente com o balanço da maré. Novamente olho para o horizonte. O céu azul me conta algo. É, acho que agora eu entendi...

Ford Prefect

Por Ford Prefect

10 comentários:

  1. Querido Ford,
    Que honra poder compartilhar com seus traumas
    e texto tão bem trabalhado! Parabéns pelo vocabulário e estrutura clara!
    É complicado encontrar-se e aceitar-se, entendo com a vivência! Saiba que está em um local
    livre de julgamentos e sinta-se livre para ser você mesmo!
    É um desafio que me propus nessa jornada e será uma ótima oportunidade de autoconhecimento!
    Com carinho,
    Shaolin, o matador de porco

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  2. Ford Prefect, seu texto me trouxe a sinestesia que tanto buscava em algumas leituras, sua estrutura é tão clara, que poderia jurar ter sentido também o cheiro de maresia e a mesma sensação de paz que o mar te trouxe. Belíssimo texto! Espero que sua jornada no jornalismo seja uma experiência tão maravilhosa quanto o seu texto.

    Com carinho,
    Lilith

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  3. Querido Ford, seu texto foi muito claro e bem escrito, me lembrou dos ótimos finais de semana que eu passei na praia do Leme. Espero que aproveite muito essa jornada no Jornalismo.

    Freddie Mercury

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  4. Ford, seu texto fez soprar no conforto do meu lar a salgada brisa do mar. A comparação das ondas com o vai e vem dentro da sua própria cabeça ajuda a elucidar ainda mais seus sentimentos: os torna familiares. Sua construção foi muito pessoal, e agradeço por ter me permitido ter esse olhar pra dentro do seu interior.
    Com afeto, Argus.

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  5. Ótimo texto, Ford! A escrita poética e altamente descritiva me prendeu de uma forma difícil de colocar em palavras. Por isso e pela semelhança com o conteúdo, me lembrei de uma expressão q li em Machado de Assis: "olhos de ressaca". Vc escreveu um texto de ressaca, daqueles q te prende, te puxa e não te larga. Parabéns!

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  6. Ford, texto muito bem escrito, você é incrível com as palavras. Espero que seja capaz de solucionar seus dilemas e viver a plenitude de ser exatamente quem deseja.
    Com carinho, Aria.

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  7. Ford, parabéns por esse texto maravilhoso! A descrição da cena me fez viajar mentalmente pelo espaço. Me senti imersa no seu texto. Espero que você tenha uma excelente trajetória no jornalismo, se encontre nesse caminho e seja você mesmo a partir de agora.

    Com carinho, Elizabeth.

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  8. Ford, apreciei cada palavra do seu texto. Pareceu milimetricamente bem colocada. Só elogios para a sua escrita. Espero que viva agora o que sempre sonhou e sem receios. Você pode se jogar. Desejo uma trajetória linda para você.

    Abraços

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  9. Ford, seu texto me lembrou a escrita de um cronista profissional, essa descrição extremamente detalhada, que vai engolindo seu olhos, o texto acaba e você quer muito mais, que escrita impecável, parabéns.

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  10. Querido Ford, seu texto é impecável, estruturado perfeitamente, concreto e ao mesmo tempo leve e fluído.
    Foi uma leitura super gostosa, me senti à beira mar lendo um livro.
    Simplesmente amei a sua escrita. Parabéns!

    Com carinho, Glória Maria!

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