sexta-feira, 22 de abril de 2022

Barcos e portos


Dolores Duran diz em uma de suas músicas que “queria a alegria de um barco voltando” e isso ficou na minha cabeça por mais tempo do que o normal, acredito. Será que em algum momento conseguimos algum tipo de alegria que almejamos? E, se conseguimos, o que seria a alegria de um barco voltando? 


Assim que ouvi, tentei interpretar como um barco voltando para um porto seguro, mas não sei se a segurança sempre é a melhor escolha. Veja, talvez um barco indo seja mais alegre porque não sabe o que o espera e o inesperado parece muito melhor do que o que já existe. O que sei é que o que já existe é, comumente, mais chato.


A diferença entre o que existe e é chato e o que é inesperado é o seguinte: fingimos o tempo todo viver o inesperado. Fingimos viver o que ainda há de ser inventado e, no fim, percebemos a volta para o porto seguro como o único caminho, a ida nem sequer é uma opção. Existe essa necessidade de criar a vida, a vida que se quer viver, como se fosse possível viver algo mais além do que já se vive. 


Daí toda a frustração consigo mesmo ao chegar em casa e se encarar no espelho: estamos fadados a ser o que somos, para sempre. Podemos mudar circunstâncias e aparência, mas seremos para toda a eternidade nós mesmos. Por vezes, barcos vão, mas sempre voltam.

Por Nico


4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Nossa, que lindo, Nico! Que escritor é esse, meu Deus? Amei muito como você desenvolveu o seu texto. Você trouxe um ponto muito importante, essa necessidade de se querer ser o que ainda não é. Como você disse, a frustração que a não realização gera é horrível mesmo. Ter que aceitar que quando nos olharmos no espelho é essa a nossa cara, é essa a nossa pele. Só senti falta que você falasse um pouco mais sobre você e como se dá a sua relação com as redes sociais. Obrigad por essa escrita tão original!

    Abraços,
    Liev.

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  3. "O que sei é que o que já existe é, comumente, mais chato."

    Como alguém que lida constantemente com essa dicotomia entre querer a rotina e precisar do novo, esse período me atingiu de uma forma muito específica. Seu texto, apesar de não almejar a catarse, com certeza conseguiu iniciá-la em mim. A dinâmica da comparação com barcos indo, voltando e atracando me fez criar na cabeça a imagem de um porto, mas um porto visto digitalmente; afinal, não é assim que estamos vivendo hoje em dia? Fingimos estar dessa forma, uma grande tela verde que não nos permite olhar ao nosso redor e, francamente, para dentro de nós mesmos. Histórias são verdadeiramente boas apenas quando conseguem nos fazer viajar nas nossas próprias avaliações, e você conseguiu isso. Muito obrigada por esse exímio pedaço de escrita.

    Com carinho,
    Inez

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  4. que texto incrível, Nico. Simplesmente amei a analogia dos barcos. Parabéns!

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