A pessoalidade de um toque
“Quem são vocês?” o professor perguntou, depois de alguns minutos de aula. Eu pensei que dependia do que ele entendia como resposta para aquela pergunta. Embriagado pela indagação, cheguei em casa e me olhei no espelho, até perceber que esse não refletia quem eu era, não por me achar esteticamente desagradável ao ponto de não me identificar, mas porque não conseguia mais reconhecer aquele reflexo andrógino e morno que me encarava com olhos sem fundo. Era como se todo o ar existente na Terra tivesse sido sugado pelas três palavras ecoando: “quem eu sou?”
Há um medo humano primordial: o de não ser quem se é, ou de ser quem não se é, é difícil definir com exatidão. As pessoas são complexas e sempre criam dentro de si ideais do que devem ser, no lugar de idealizarem o melhor dentro do que podem ser. Só defino que: algo muito sério precisa acontecer para uma pessoa deixar de saber o que é o vulto repousando no buraco onde restava seu rosto nas fotos de família.
Quando o homem de olhos escuros me tocou, eu sabia que nunca mais seria a mesma pessoa.
Poucas palavras explicam o que é sentir dentro de si algo que não deveria ser seu, que não deveria estar ali. É não sentir nada. Nunca mais. Sendo assim, se vira uma não pessoa. Tudo em volta deixa de existir e a despersonalização é o sentimento cru que assombra as ações a partir do exato instante em que o toque acontece. Sua mão se mexe sem pertencer ao seu corpo e seus olhos encaram tudo como fantasmas que desaparecem assim que detalhes te relembram da dor de um contato indesejado.
Lembro de ouvir uma amiga perguntando à outra quanto tempo ela demorou para voltar ao normal depois de uma dor tão forte quanto a de um abuso. Ela respondeu que “havia levado alguns meses”. Eu não levei tempo algum, acredito. Mesmo que eu force os olhos, não enxergo nada além do exato instante no qual deixei de ser eu. Talvez qualquer dia desses algum tempo passe a transcorrer sem o meu conhecimento. Assim, posso responder quem eu sou.
Nico
Por Nico.
ual, vc conseguiu transmitir sentimentalismo e ao mesmo tempo um ar "poético".
ResponderExcluirQuerido Nico,
ResponderExcluirO abuso nos rouba nossas identidades ao ponto de não nos reconhecermos, sinto tanto que tenha vivenciado a experiência!
Desejo que seja forte para superar a crise do ser, principalmente por não vê-la como uma causa espontânea!
Que nós possamos descobrir quem você é, junto consigo mesmo! Suas palavras me tocaram e me fizeram viajar com você, obrigado pela experiência!
Agradeço pela oportunidade de compartilhar seus traumas conosco!
Com carinho,
Shaolin, o matador de porco
Nico, parabéns pela escrita! Antes de elogiar seu texto, vou elogiar sua força e sua coragem. Mesmo que vc não pretendesse mostrá-lo a ninguém, escrever esse texto deve ter sido extremamente difícil, principalmente da forma que vc fez: uma forma sincera e sem rodeios. Cada palavra foi essencial para q o leitor te entendesse e se visse no seu lugar. Mais uma vez, parabéns!, pelo registro e pela sinceridade de suas palavras.
ResponderExcluirNico, não tenho palavras que bastem para te consolar e dizer que sinto muito pelo que passou, e você sabe melhor do que eu que palavras não bastam. O mais importante é que você não deixe que sua persona seja derivada do que "o abuso te tornou", mas se permita transformar a si mesmo para ser o que você desde sempre devia ser, e proteger outras pessoas de perderem seu próprio eu.
ResponderExcluirSua escrita é afiada, e o conceito de "não pessoa" foi um recurso muito rico, me deixou admirado.
Com afeto, Argus.
Nico, sinto muito pela tamanha crueldade que vivenciou. Imagino que realmente jamais voltará a ser o que era, mas espero que se transforme em alguém maior e mais forte. Você é gigante. ótima escrita e belas palavras.
ResponderExcluirCom carinho, ARIA.
Nico, primeiro gostaria de te parabenizar por sua coragem de expor a sua dor. Imagino que tenha sido muito difícil escrever sobre, mas também espero que tenha sido uma forma de conseguir aliviar um pouco essa dor.
ResponderExcluirSofrer um abuso nos faz perder não só a nossa identidade, mas também a confiança nas pessoas, criando amarras e traumas na nossa vida que nos trazem feridas que são muito difíceis de serem curadas. Talvez buscar um acompanhamento psicológico para te ajudar a superar esse trauma seja uma forma de aliviar essa dor e para que você possa se reconectar consigo mesmo e voltar ainda forte do que você já vem sendo.
Com carinho,
Bluebird.
Nico, o seu texto conseguiu exprimir a sua dor não só do trauma, mas também a dor de não se saber quem é depois do trauma. E isso foi muito sensível. Porque saber se definir por si só é um desafio. Sinto muito pelo que você passou, é revoltante ver o quão comum o abuso se tornou. Acredito que por mais doloroso que tenha sido, você conseguiu transmitir com suas palavras tão bem colocadas aquilo que o aflige. Talvez possa até ajudar outras pessoas a também se revelarem. Muito obrigado por confiar a todos nós aquilo que de mais doloroso possui. Espero que consiga se encontrar em algum momento.
ResponderExcluirAbraços
Nico, sua escrita é sensível e poética. Quando cheguei ao fim do texto, senti uma dor imensa ao me deparar com o abuso sofrido por você. Sinto muito que você tenha passado por isso. Espero que algum dia você consiga responder sobre quem é você e que se encontre mesmo em meio a tanta dor. Obrigada por compartilhar seu trauma com a gente.
ResponderExcluirCom carinho, Elizabeth
Nico, sua coragem de expor um trauma tão íntimo é gigante, parabéns. As metáforas e as diferentes palavras utilizadas trazem um ar poético para seu texto, tornando a leitura muito mais prazerosa, o que é difícil em um tema tão pesado e triste. O fato que você começou o texto com uma pergunta e respondeu ela no final deixa a produção ainda mais completa. Ansioso para seus próximos textos, parabéns.
ResponderExcluirQuerido nico, mesmo sem te conhecer, admiro muito a sua força! Prosseguir após um abuso não é nada fácil. E a forma como você se expos nesse texto, só deixa mais em evidencia a sua coragem para continuar.
ResponderExcluirSinta-se abraçado por mim.
De coração, Glória Maria!
Nico, querido, que escrita sensacional, consegui sentir cada palavra que li. Escrever sobre abuso, vivê-lo em si, não deve ser nada fácil, espero que aos poucos você venha se recuperando desse horrível sentimento. Beijos, Manu.
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