O renascimento

O silêncio do quarto foi interrompido por um grito, seguido de outro. Ensopada de suor, deparou-se com o breu do cômodo. Segundos depois, tornou a deitar-se, e quando Morfeu a embalou no sono profundo, gemeu, pois alguém lhe gritava no sonho que era uma menina má. “Sonhos poderiam ser reais”, questionava-se ela, cujo o maior medo era ser alguém vil. De nada serviam as boas ações, porque nunca parecia ser o suficiente. O ato se repetia. O coração tão frágil quanto um castelo de cartas, cutucava-lhe o peito, assustado, talvez, com os toques dissimulados, com as palavras sussurradas.

“Seja uma boa menina, não conte a ninguém, você merece o que faço com você”. Os cabelos mal penteados caíam pelo rosto, um toque, uma peça pelo chão e lá se fora a inocência. Violação de propriedade privada. Essa mesma menina, que buscava redenção, encontrou refúgio em letras e páginas de livros antigos. Trazia esperança imaginar um mundo paralelo. Aprendera a isolar o mundo real do mundo literário, e na ponta de seus lápis escrevia como se fosse feliz. Passara a explorar e ao escrever sentia como se o mundo pudesse ouvi-la, ainda que não gritasse.

Em casa, rogou sozinha, não sabia exatamente o porquê, mas um toque de telefone ressoava e ao ouvir as palavras seguidas de um choro ininterrupto de sua mãe, descobrira: a morte batia à porta de seu algoz. Freedom. Infortúnio findado. Perplexa, não soube fingir tristeza. Alívio lhe irrompia no corpo. Não tinha asas, mas sentiu como se pudesse voar. Em dois dias, percebera, a existência renascia para nunca mais morrer. 

Por Lilith Lili