sexta-feira, 22 de abril de 2022

Ânima Bardot no País das Maravilhas

 “Quando acordei hoje de manhã, eu sabia quem eu era, mas acho que já mudei muitas vezes desde então.”



 Começo esse texto sentada em meu sofá, no que deveria ser a minha casa, mas eu não sei mais onde realmente é a minha casa. Tenho ao meu lado, o livro de Lewis Caroll, procurando alguma referência que caiba nesse texto, talvez ela esteja logo após o título, mas algo me diz que esse livro dialoga com esse tema. Penso no assunto que foi escolhido para escrever o texto, mas nada aparece em minha mente, me sinto frustrada e com medo de passar do prazo dado pelo professor.


Abro meu instagram, passo alguns minutos olhando a vida alheia de pessoas felizes, e finalmente tomo coragem e entro em meu perfil. Uma sensação estranha percorre meu corpo. Penso no tema,”Felicidade de vitrine''. Não quero realmente enfrentar isso agora, não quero descobrir quem é aquela pessoa feliz do instagram na vida real, não quero conhecer Ânima Bardot, não quero sair do país das maravilhas e voltar para o meu mundo real, mas a atividade foi designada a nós, por isso eu devo enfrentar meus medos.


Penso no tema. Olho o instagram. Quem é ela? Quem é ela? Que parece ser feliz a todo instante, ela que sempre está rodeada de amigos. Ela sou eu? Não parece comigo.


Ela não tem as marcas psicológicas de abusos mentais sofridos por mim, ela nunca ouviu os gritos internos de sofrimento, ela nunca olhou para seus pulsos desejando cortá-los, implorando desesperadamente pelo fim de uma dor que nunca acabava. Ela nunca flertou com a morte, musa dos olhos perdidos, em um tango fúnebre que podia destruir todos os seus sonhos. Ela nunca decepcionou a todos que amava, destruiu todas as suas relações. Ela nunca foi atingida nas costas pelos mais próximos. Ela nunca será um espelho, ela é apenas um manequim.


Ela não sou eu.


Ela, então, com seus olhos cheios de vida, me olha pela tela do meu celular. Ela ri ironicamente de mim, querendo roubar o meu lugar, e como um demônio, julga meus pecados.


Talvez esteja ficando louca, mas sua cara parece mudar. O rosto antes jovem, lindo, cheio de vida, começa a apodrecer,  se transformando em monstro enquanto ri do meu desespero, sua voz segue falando em minha cabeça: “Você é o monstro! Você é o monstro! Você é o monstro!”. Ela estava virando eu, o verdadeiro monstro.


Não devia ter aberto a porta para tais verdades, não deveria ter seguido o coelho branco para voltar ao meu mundo, eu simplesmente não sei lidar comigo mesma. Gostaria de ser aquela pessoa que vive no instagram, mas eu sou real, com defeitos reais e problemas reais, e, por mais que pudesse fingir ser aquela pessoa, aquele manequim, eu não gostaria disso.


Espero enxergar nos meus colegas de curso, pessoas reais, igual a mim, e que seus demônios apareçam, assim como os meus irão aparecer para vocês. E espero, que um dia, sem pseudônimos, possamos conhecer uns aos outros verdadeiramente, e não por posts falsos nas redes sociais.


Assim eu me despeço, revelando meus monstros e meus problemas de autoaceitação, e desejando, que todos quebrem seus espelhos, e parem de se prender ao país das maravilhas que é o mundo virtual.

Por Ânima Bardot

3 comentários:

  1. Ânima, você tocou em ponto sensível meu: Alice. Eu sou suspeito para falar de um texto que dialoga tão bem com a história que eu amoooo muito. E indo além, eu consegui lembrar de um filme que se chama "Nós", nele existe um pouco dessa briga entre os seres originais e as sombras idênticas deles. O seu diálogo com a outra Ânima, aquela da rede social, querendo vencer e tomar o seu lugar, dialoga com esse filme.

    Além disso ,a sua progressão textual é muito palpável, e isso se deve a coesão e coerência do seu texto. Foi uma experiência maravilhosa ler cada palavrinha escrita por você. Só posso dizer que fico ansioso para devorar o seu próximo texto.

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  2. Crônica maravilhosa! A forma como Alice cruza seu texto e sua história, torna tudo mágico e melancólico. Somos tantos em um só, imperfeitos, e com uma tonelada de bagagem nas costas, que coisa linda seria se deixássemos que o outro enxergasse nossa vulnerabilidade!

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