segunda-feira, 11 de abril de 2022

 Sobre calejar


Traumas. Se formos analisar corretamente, somos constituídos por eles. Adquirimos novos e superamos os antigos diariamente, em um eterno ciclo que nos molda como indivíduos. Traumas são feridas que cicatrizam, depois calejam e quando calejadas nos tornam mais fortes e nos impedem de repetir os mesmos erros. Dito isso, não me entristeço em relatar o que já foi o meu maior trauma, porque reconheço que ele serviu para minha evolução pessoal. 

Por muitos anos, tive uma relação traumática com a minha mãe. Éramos cruas, sem traumas para usarmos como aprendizado, e tentávamos dominar as artes de sermos mãe e filha juntas, pela primeira vez. Além dessa equação claramente complicada, juntou-se também as personalidades fortes com os pensamentos opostos e o grande choque de gerações, gerando alguns anos… traumáticos. Eram julgamentos constantes, machismo irritante e um afastamento gritante. Sufocamento, imposição e uma falta de compreensão que me atormentou por anos, me fazendo não me sentir amada e totalmente incompreendida dentro do meu próprio núcleo. E isso doeu. Doeu tanto que virou raiva, virou ódio. Foi um sentimento de caos que me consumiu por muito tempo, que foi meu trauma por muitos anos.

Até que o tempo passou e, junto com ele, o trauma também. Em algum momento desse tempo complicado, nós reconhecemos nossa relação destrutiva e fomos mudando naturalmente, dando um passo de cada vez. Deixamos nossa ferida cicatrizar e calejar, até estarmos dispostas para construir a ótima relação que temos hoje. E agora calejadas, tentaremos não repetir os mesmos erros: eu, quando for mãe um dia, e tentarei fazer tudo completamente diferente. Ela, já com meus irmãos, reconhece e modifica a forma de agir. No final, fomos uma para outra nossos traumas e nossas cicatrizações, e é exatamente disso que se constitui a vida. 


Aria Masiul

Por Aria Masiul

9 comentários:

  1. Querida Aria,
    Gostaria de elogiar sua estrutura e capacidade de capturar o leitor. Parabéns pelo texto!
    Fico feliz de saber que não exista tamanho trauma para atormentá-la.
    Eu por outro lado, ainda sigo tentando superar os meus. Muito obrigada por compartilhar sua experiência conosco!
    Com carinho,
    Shaolin, o matador de porco

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  2. Aria Masiul, seu texto me trouxe uma reflexão a respeito de relações tóxicas familiares, em especial o núcleo mãe-filha. É tão complexo admitir que nossos pais possam nos fazer odiá-los, pois a sociedade cristã em que vivemos não aceita isto de bom grado, afinal pais e mães são perfeitos. Obrigada por isso. Fico confortada pelo desfecho ter sido positivo, mérito seu e de sua mãe em reconhecer o que precisavam melhorar. Parabéns pelo texto forte.
    Com carinho,
    Lilith

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  3. Querida Aria, as relações familiares tem um poder destrutivo imenso, parabéns a você e a sua mãe por reconhecerem essa situação tóxica para vocês. O texto foi muito bem escrito, parabéns novamente.

    Freddie Mercury

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  4. Aria, não posso deixar de demonstrar como foi bonito participar do seu relato. Sua linguagem simples e ao mesmo tempo sincera me fizeram sentir como se ambos desfrutássemos de uma conversa informal na mesa de uma aconchegante cafeteria. Esse sentimento é o melhor que um leitor poderia desfrutar! Obrigado!
    Com gratidão, Argus.

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  5. Aria, sei como é passar por essa situação de incompreensão no núcleo familiar. Infelizmente, a família nem sempre nos acolhe do jeito que somos e a todo momento tentam impor certos "padrões" estabelecidos socialmente. Me identifiquei profundamente com o seu texto porque eu passo por isso até hoje. Escrita simples e fluída, com a capacidade de se fazer entender muito bem. Obrigada por compartilhar conosco.

    Com carinho, Elizabeth.

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  6. Aria, eu li seu texto em um fôlego só. Muito bem escrito e estruturado, parabéns por isso. Os verbos se costuram tão bem e transmitem sua dor, mas também a sua cura. Tudo que você relatou me fez lembrar da minha própria relação com a minha mãe e do quanto ainda temos para aprender. Muito obrigado por compartilhar um pouco do que você carrega aqui.

    Grande abraço do Liev

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  7. Aria, gostei do seu texto e da analogia das cicatrizes. O tecido cicatricial é realmente mais forte q o antigo. É frustrante se ver em uma relação problemática dentro da própria família, e parece injusto com o primeiro filho na situação descrita, mas é reconfortante saber q vc e sua mãe se entenderam e serviram de aprendizado uma para a outra.

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  8. Aria, você conseguiu expor com clareza o sentimento de angústia que é o nascimento de um trauma por meio de sua própria família, parabéns pelo seu texto. Achei muito interessante o desenvolvimento de sua produção, você explica como seu trauma começou, e explica como ele se amenizou, fechando assim o "ciclo" dessa situação. Muito feliz saber que você e sua mãe conseguiram superar e aprender com essa passagem, parabéns por isso e novamente pelo texto.

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  9. Querida Aria, você foi muito feliz em descrever os traumas como algo que nos moldam.
    E realmente é sobre isso. Somo moldados e mudados por eles!

    Abraços, Glória Maria

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