sexta-feira, 29 de abril de 2022

 Os coletivos e suas multidões

A locomoção pela cidade do Rio de Janeiro é, por vezes, exaustiva. Longas distâncias a serem percorridas pelos transportes públicos e, em certas ocasiões, precisamos recorrer a mais de um deles. Ao sentar na janela do meu quarto para escrever esta crônica, observo o céu azul e penso em todos os perrengues que eu já passei nos transportes coletivos: goteiras do ar-condicionado na cabeça, infestação de baratas, inundação em decorrência de fortes chuvas, superlotação e assédio sexual. Alguns desses problemas poderiam facilmente ser resolvidos através da manutenção e do aumento do número de veículos circulando pela cidade. Outros, no entanto, poderiam ser evitados com certo bom senso do motorista (na hora de escolher não enfrentar uma rua muito alagada diante do temporal) e dos passageiros (homens, na hora de se aproveitarem da superlotação dos coletivos para se esfregarem nas moças que estão em pé ou sentadas no banco do corredor do ônibus).  

Infelizmente, situações desconfortáveis como as mencionadas acima são apenas algumas dentre tantas outras que continuam ocorrendo diariamente nos coletivos. Tais ocorrências me fazem refletir sobre a qualidade dos nossos transportes públicos e a educação dos cariocas para o uso dos mesmos. Afinal, os veículos coletivos não são recentes na cidade, assim como os problemas envolvendo a sua utilização. Quem nunca pegou um trem na Central do Brasil e correu para sentar no banco assim que as portas abriram? Confesso, fiz isso muitas vezes e achava o máximo quando era criança. Nunca fui pisoteada ou saí lesada de outras formas – o que conforta minha mãe até hoje. Quem nunca correu atrás do ônibus na Presidente Vargas ou entrou correndo na barca, nos primeiros horários da manhã, para viajar sentado não viveu algumas “delícias” do transporte público.

Em resumo, os perrengues e a falta de educação dos passageiros – passada de geração para geração – sempre existiram. Alguns exemplos podem ser encontrados em crônicas de Machado de Assis, onde ele expõe situações que ocorriam nos bondes. Em particular, “Regras para uso dos bondes” chama atenção pela listagem de regras visando o bom convívio no coletivo da época, carregado de um toque irônico. Algumas regras já estão obsoletas, outras poderiam perfeitamente ser atualizadas para nossa realidade. É curioso notar como a multidão dos transportes públicos ainda consegue ser rica fonte de literatura na contemporaneidade. Por isso, escrevo esta crônica.

Por Elizabeth Bennet

3 comentários:

  1. Cara Elizabeth, os transportes públicos são de fato espelhos da sociedade. Por lá encontramos de tudo, artistas, vendedores e pessoas suplicando por ajuda, muitas das vezes ignoradas e invisíveis para a sociedade. Os causos ocorridos nos transportes inspiraram tantos escritores que podem ser caracterizados quase como instituições da literatura, imperfeitos e sempre suscitando pensamentos e reflexões. Venho de um tempo que esses perrengues não mais tão comuns, visto que possuo a nave coração de ouro como transporte, mas confesso que sinto falta dos transportes tradicionais; as experiências com o gerador de improbabilidade infinita e seus deslocamentos malucos e interestelares em zerézimos de segundo tem me cansado um pouco. Enfim, espero que não perca nunca seu bilhete único! Um abraço!

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  2. Elizabeth, suas palavras são sempre muito diretas e bem postas, e seu texto funciona muito bem como um todo, apenas senti que a parte da crônica foi posta um pouco fora de área. Colocá-la no final da crônica dá a leve impressão de que você não sabia ao certo o que fazer com ela, mas pela estrutura montada, esse não foi o caso. De qualquer forma, ótima construção, como já era de se esperar de você.
    Com afeto, Argus.

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  3. A mobilidade urbana do Rio de Janeiro é mesmo um caos. Nesses tempos de pandemia, costumo dizer que tenho dois grandes medos no transporte público: o vírus e os homens (com o perdão da brincadeira, mas não deixa de ser verdade… os casos de assédio poderiam ter ficado no passado, junto com o lockdown).
    Quanto ao texto, está muito bem escrito, como sempre.
    Você é uma exímia comunicadora, parabéns!

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