sexta-feira, 5 de maio de 2023

A fruta preferida dele é pêssego.

Estávamos a pôr o jantar à mesa para recebermos quem deveras chegar.  Este era um de nossos rituais no interior. A família da vindoura moça que se dispõe ao casório recebe a família do rapaz de boa conduta para uma bela demonstração de oponência e fortuna através de um banquete tendo como tema uma fruta. Esta deve ser a preferida da moça e do moço para que o casório seja consumado, mas isso só é revelado na hora do evento. Tudo muito fresco e jovial. 

Preparamos tortas, saladas, bolos, compotas, sorbets, farofas, sucos, alcoólicos, iogurtes, tudo com a fruta. 

Preparamos o melhor pêssego da região para recebê-los. Assim, tudo se encaminhou para o desfecho final em que Miguel, meu brevemente noivo, comeria um pêssego em frente a mim e a toda família. 

Ele o fez. Numa cena típica de projeto de blockbuster de humor falido. Fez-se agradável até. Entretanto, transpareceu azedo ou ele não estaria preparado para tal sabor unicamente explosivo. 

Corri para o quarto humilhada. Essa era a vergonha máxima que uma ofertada poderia receber. 

Corri, tranquei a porta e comecei a rezar ao meu bom Deus. Pelo menos tentei começar. 

  • Não chore minha flor, você não deve ter vergonha de nada. 

Disse tio Pedro que estava reclinado sobre a janela do quarto dele mesmo que eu tinha entrado por engano. Eu não deveria estar ali, tentei responder mas estava muito assustada com tudo e a figura dele também me deixava nervosa. 

Ele disse que adorava pêssego, por exemplo. Que era a fruta preferida dele. E eu comecei a lembrar das vezes que fazíamos salada de pêssego enquanto tio Pedro contava suas aventuras nas arábias e como ele falava quatro línguas, como ele entendia os sentimentos de toda a família e permanecia calmo diante de tantas brigas e claro, como ele devorava a cesta de pêssego inteira sozinho. 

Ele era seguro de si. E isso me encantava. Percebi naquele momento o que era excitação. Quando ele me olhou firme nos olhos por muitos segundos adentro. Percebi que o jeito que ele falava ereto e como bebia jarras da água em abundância durante as conversas demonstrava que minha sorte fora exatamente que Miguel não gostou do sabor da fruta pura, nunca tocada. 

Ainda que o Barão da Pedra Branca, meu pai, me fizera esperar até a hora certa, eu tinha uma sintonia com o tio há muito!

Ele segurou minha mão até eu parar de chorar durante alguns minutos e ordenou docemente:

  • Vá até a sala e traga o pote de manteiga de pêssego. 

Eu o fiz rapidamente mesmo sem ter entendido nada. 

Voltei para o quarto, ele estava no banheiro da suíte e mandou eu trancar a porta. Tudo aconteceu tão rápido. 

Falou alto, calmo, mas com uma voz grossa que ecoou no quarto todo. Dentro de mim também. Perguntou se eu me sentia confortável, eu estava precisando do que eu não sabia que estava por vir, então eu disse que sim. Eu queria. Muito. Meu corpo estremecia. Um gelado estranho. Minha mãe falara sobre borboletas no estômago, mas eu senti um pouco mais pra baixo. Eu senti algo que Miguel nunca poderia me dar. Eu senti algo quando eu parei atrás da porta pra pensar instintivamente, como na selva faríamos. 

Parece que bastou eu trancar a porta para um vulto correr pelo quarto. Ele estava atrás de mim ofegante e ele era muito quente. Seu corpo estava molhado. A sombra do corpo dele cobriu o meu. Enquanto eu sentia seu calor me aquecendo da nuca até o tornozelo, eu senti algo mais quente, mais pesado em minhas costas. Eu nunca vou esquecer essa sensação. Como se fosse a compressa de água quente que eu fiz pra acalmar a dor do tombo que levei na aula de dança.

Aqui no interior fazemos coisas que são passadas de geração em geração, assim como a compressa de água quente pra quase toda enfermidade e assim como a submissão da mulher frente ao homem.

  • Você trouxe a manteiga de pêssego?
  • Sim, está aqui. 

Disse eu, com uma voz bem baixinha. 

  • Hoje eu vou mostrar a você o seu valor. Quero que saiba que, a qualquer momento, que basta dizer para parar e eu paro. E também que você sinta o ensinamento que eu tenho pra te oferecer. 

Ele pegou um pêssego que estava na mesinha dele, arrancou a casca com o dente, mordeu a fruta no meio de uma vez só comendo parte dela e cuspindo o caroço fora. A voracidade com que ele fez aqui fez eu sentir uma lágrima escorrer. Uma única lágrima que fizera meu corpo todo aquecer. Me molhou de dentro pra fora. Como o nascer de uma nova aurora. Ou estrela nova. Ele abriu o cinto da calça  e pediu pra eu terminar de tirar. Fiz. 

Eu vi bastante filme americano então eu sei muito bem o que ele queria dizer. Na porta mesmo eu abaixei minha roupa e disse pra ele com uma firmeza que eu não sei de onde veio:

  • Eu quero você dentro de mim. 

Ele me olhou levemente assustado. Riu discretamente com uma cara que até o Zebu ficaria invejoso, me segurou pelas pernas com suas mãos grandes e me jogou na cama. Com uma mordida firme puxou minha roupa de baixo com a própria boca. Ele parecia insaciável. Absolutamente eu estava gostando. Enquanto ele cheirava minha pele, senti a luxúria tocando minha alma, me virou de bruços e me fez sentir algo muito gelado, que me fez pular. Tomei um susto e ele me segurou as duas mãos por trás enquanto passou algo atrás de mim. Bem embaixo. Lá. 

  • Desculpa pelo desconforto. Prometo que a partir de agora vai ser mais quente. 

Eu senti o que significam alguns extremos. Eu senti um novo limite. Perdi tudo quando senti. Ele disse quente, não confortável. Mas eu entendi naquela dor a minha realização. Eu me entreguei. E ele entregou tudo que eu nunca poderia imaginar que aquele homem era capaz de fazer. Uma odisseia. 

O que aconteceu depois dessa parte, eu prefiro guardar pra nós apenas. 

Depois de cerca de meia hora eu saí do quarto completamente desestabilizada. 

Mas com uma certeza. Tivera o melhor momento da minha vida até ali. 

Até perdoei Miguel por não gostar tanto de pêssego. E levei a frente o negócio arranjado entre nossas família. 

Depois de um tempo entendi que ele gosta de banana-prata ou preta, sei lá, e de vez em quando, sai pra buscar um pouco na fazenda do vizinho. Dizem que eles fazem uma manteiga de banana maravilhosa lá também. 

A gente vai administrando então. Ele fica comigo durante a semana e fim de semana vai passear com o amigo dele. E eu vou pra casa de tio Miguel. A tia Marta, mulher dele, sempre fica na igreja durante o fim de semana inteiro. 

Tá tudo bem. 

Só não sei de verdade quem é o pai do bezerro que eu to esperando. Tá tudo bem mesmo. Ninguém precisa saber. Ainda que tio Pedro seja somente uns dez anos mais velho que eu, ele lembra os traços do Miguel - ainda que muito mais másculo e peludo. Ninguém sabe o que é DNA por aqui não. Sabemos apenas quem tem como fruta preferida, o pêssego. 

Prazer, meu nome é Brígida, codinome, frígida. 

Não acredite no amor!


A Fênix 

2 comentários:

  1. Eu adorei seu texto. Às vezes, temos desejos que sabemos que são completamente impossíveis de acontecer e que não seguem a nossa própria moral. A protagonista não queria o Miguel, ela queria que o Miguel (que ela diz ser parecido com o tio dela) fosse o tio Pedro, porque ela sabia que nunca poderia viver com o tio. E, não sei se foi essa a intenção, mas gostei de que você deixou subentendido de que o Miguel também foi reprimido. Ele não queria ela, mas também não podia viver sua verdade. Adorei como você usou as frutas para representar o objeto de desejo. Continue a escrever assim, Fênix, com essa coragem grande.

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  2. Texto bem escrito, com uma riqueza de detalhes impressionantes e te digo que tem que ter muita coragem para expressar um desejo reprimido tão "exótico" ao público.

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