sexta-feira, 19 de maio de 2023

Quarto de Despejo

Antes de começar esse texto gostaria de dizer que não concordo com a proposta da semana, afinal, temas sensíveis como esses não deveriam ser jogados assim sem um debate antecipado para que se compreenda melhor a raiz do fato, não se deve escrever o que pensa quando o assunto se trata do social, o caminho é estudar. Opiniões podem ser transformas em outras coisas. Mas já que é pra falar da Dona Carolina, vou começar pela Carolina Maria de Jesus.


Carolina Maria de Jesus na atualidade é considerada um dos maiores patrimônios na nossa literatura brasileira. Pra quem não a conhece deve estar achando estranho, afinal, não era pra falar da Carolina que entrou na sala? Achei emblemático os nomes se coincidirem, mas se tem muito mais coincidências entre elas pelo que pude observar.

Carolina Maria de Jesus foi uma poetisa, artista, escritora e no pessoal uma catadora de papel que assim como diversas pessoas que a cercavam na época tinha a sobrevivência como principal objetivo. Norteando melhor: ela dormia e acordava com fome. 

Já a Dona Carolina, aquela que abriu um problema pessoal e agora estamos escrevendo sobre ele sem nenhuma intimidade ou autorização, se encontra em uma situação que se dá pelas mazelas sociais, assim como metade dos brasileiros que se conectam pela mesma questão: racismo, desigualdade e a tabela não para por aí.

Diadorim, qual é a grande semelhança entre as duas? A luta. A pessoa que é reduzida e definida somente pelo seu enfrentamento. O fato de nós, seres humanos, esquecermos que antes do pedido de ajuda, antes da fome, antes de qualquer questão vulnerável que nos interessemos em ajudar, existe um ser, uma história e uma personalidade.

Carolina Maria de Jesus foi e é reduzida até hoje à época que catava papel e passava fome. As pessoas a descrevem assim ao invés de olhar a trajetória potente que teve e nos deixou. Ao invés de contemplar os seus poemas, a sua escrita e principalmente respeitar a sua história sem a reduzir somente a fome.

Dona Carolina corre o mesmo risco ao falarmos sobre a sua história livremente sem buscar saber quem de fato ela é. A trajetória dela não me choca porque esse é o espelho que se quebra quando furamos a bolha e é isso que acontece quando não olhamos pro lado: reduzimos o ser, que é múltiplo, em uma só coisa. 

Me compadeço e se pudesse, obviamente, a ajudaria no que fosse preciso. Mas hoje o que posso fazer é não tentar falar sobre uma história que não conheço, história essa que a única informação que se tem é a fome, a falta de moradia e a falta de acesso ao seu tratamento de saúde. Hoje, o que posso fazer pela Dona Carolina é não a reduzir a isso. A questão dela os livros e o passado explicam.

Assinado: Diadorim da Fé.

8 comentários:

  1. Excelente posicionamento! Certeiro e sagaz. Me conduziu perfeitamente do início ao fim do texto. Obrigada pelo ponto de vista!

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  2. Texto muito bom e bem escrito, porém acredito que não devemos evitar falar de certos assuntos. No caso você citou que ao falar do social sempre tem que ter uma base, um estudo. Isso é verdade, mas mesmo com estudo nós nunca escaparemos da subjetividade ao comentar sobre temas complicados.

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    1. Quando digo que não se deve falar do social sem ter uma base de estudo antes me refiro a quem trata o cenário que tantas Carolinas vivem como "Não sou Deus para julgar", "Espelho da vida", "Nossa GUERREIRA Caroline" (esse me chocou) e tantos outros textos que aqui estão. Se antes de se escrever um debate fosse realizado, entenderiam que não se deve colocam opiniões pessoais em questões sociais, pois Deus não salva, achismo não salva e a desinformação também não rs porque afinal é isso né? Caroline não precisa da balança de "Deus", mas sim de comida. Caroline não é "guerreira", é sobrevivente. Carolina não é um "espelho" pq você que não passa fome não se vê nela. Essas classificações chegam a ser cruéis. E é por isso que se deve saber que para dar alguma opinião sobre o social não devemos reduzir em achismo à comentários pessoais, e sim ao principal motivo do que leva Caroline a ter fome: a escravidão, o racismo, capitalismo, uma lista extensa.

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  3. Primeiramente, achei perfeita a sua alusão a obra Quarto de Despejo e a Carolina Maria de Jesus. Falar dela foi simplesmente genial!
    Segundo, gostei do seu ponto de vista. Concordo com o que disse James Clarkeman acima, não devemos evitar falar de certos assuntos (dentro do prudente e respeitável, certamente), mas também entendo o que você quis dizer. Quando se trata de uma situação de vulnerabilidade e que podemos reduzir alguém a simplesmente uma situação, nossa atenção deve ser redobrada.

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    1. Quando digo que não se deve falar do social sem ter uma base de estudo antes me refiro a quem trata o cenário que tantas Carolinas vivem como "Não sou Deus para julgar", "Espelho da vida", "Nossa GUERREIRA Caroline" (esse me chocou) e tantos outros textos que aqui estão. Se antes de se escrever um debate fosse realizado, vocês entenderiam que não se deve colocam opiniões pessoais em questões sociais, pois Deus não salva, achismo não salva e a desinformação também não rs porque afinal é isso né? Caroline não precisa da balança de "Deus", mas sim de comida. Caroline não é "guerreira", é sobrevivente. Carolina não é um "espelho" pq você que não passa fome não se vê nela. Essas classificações chegam a ser cruéis. E é por isso que se deve saber que para dar alguma opinião sobre o social não devemos reduzir em achismo à comentários pessoais, e sim ao principal motivo do que leva Caroline a ter fome: a escravidão, o racismo, capitalismo, uma lista extensa.

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  4. Sua alusão à Carolina Maria de Jesus foi realmente muito boa. Adorei sua escrita, e acho muito importante o que você ressaltou, de não reduzirmos pessoas aos desafios que elas enfrentam. Apesar de concordar com esse ponto do seu texto (e ter achado sua escrita como um todo muito boa) concordo com James e Santiago

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  5. E pra finalizar: questões como essas não devem ser tratadas como "subjetividades pessoais", mas sim com dados. Dona Caroline provavelmente faz parte dos brasileiros que carregam a herança de um passado difícil por conta de algum cenário
    de sua época. A sua família, os seus antepassados, toda sua geração podem ter carecido de oportunidades por diversos motivos. Julgar se ela merece ajuda não é opinião, é mal caratismo mesmo. A direita e os cristãos vendem histórias como a de Caroline fazendo parecer que ela está naquela posição simplesmente pq quer e principalmente: que ela pode sair se quiser.
    O problema é estrutural, sempre vai ser. Ninguém quer entrar em uma sala de aula, pedir dinheiro e se expor por livre espontânea vontade. A fome e a necessidade fazem isso. Querem ajudar a Caroline? leiam, leiam muito e não usem como desculpa "não devemos evitar em falar sobre assuntos difíceis". mas eu concordo, não devemos evitar mesmo, apenas devemos saber sobre O QUE falar quando o tema surge em uma roda de conversa. É o nosso compromisso como jornalista.

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  6. Concordo com você, Diadorim da Fé. Excelente texto, tanto na estrutura quanto na reflexão!

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