sexta-feira, 19 de maio de 2023

SATURNO PINTADO POR GOYA

Divino tempo que carcome a alma.

Eu não tenho a sensibilidade para escrever do terror da doença, da pobreza, da

existência como um todo.

A mulher na porta, quase muda, rubra com a vergonha de pedir por um futuro

nas salas de uma universidade. O relógio pavoroso que lhe cobra o aluguel de um

apartamento, a solidão, os dias no hospital...

A vileza de um mundo desigual.

Toma-me um pensamento repulsivo... o medo de estar doente, de ficar doente,

de perder os meus sonhos. Alguém sofre, e eu temo. Egocentrismo individual da era

contemporânea.

Meus medos se acumulam diante de minha pena, impotência quase eterna de

mudar o destino da mulher.

Há uma dúvida, ela permitiria que eu escrevesse sobre o superficial encontro de

destinos? Talvez ela fosse preferir o mais completo anonimato.

A carta... a mulher doente sem ter coragem de ler em voz alta seu pedido por

ajuda... a timidez diante do futuro.

Homens e mulheres que não sabem se terão onde viver no final de seu dia.

Eu não sou capaz de compreender a profundidade de suas dores. Deitada em

meu quarto, redigindo uma crônica no meu computador, tudo é rosa, e eu não quero

entender. O entendimento se baseia na dor, em uma injustiça humana após a outra.

Desejo minha ignorância infantil, meu privilégio tosco...

A enfermidade, a pobreza, o rosto da mulher, a vida dança uma valsa em um

chão duro e frio.

Massacra-se a alma.

A terrível esperança torce para que a mulher seja vitoriosa. Cronos devora seus

filhos, mas Deus é piedoso.


Christine Daáe

7 comentários:

  1. Adoro sua escrita. A forma como você poeticamente desenvolve o texto nos conecta com o que você pensou. E já aprendi um verbo novo: carcomer. Obrigada!!

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  2. Lindo texto. Assim como você, refleti sobre meus privilégios após o nosso encontro com Carolina. Parabéns pela escrita!

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  3. Christine, eu adorei seu texto. Adorei essa relação de mitologia e religião no final, uma ótima forma de terminar. Posso te dizer que seus textos vêm ficando cada vez mais claros sem perder a subjetividade que lhe é tão característica. Muito bom!

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  4. Amei seu texto. A linguagem lírica, as metáforas e as reflexões que elas provocam tornam essa crônica memorável, sem dúvidas.

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  5. Adorei o texto, um dos primeiros de sua autoria que eu compreendo e gosto, como disse Camélia esse texto é bem mais claro que os outros mas ainda tem seu toque de subjetividade que o faz ser seu. Muito bom!

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