sexta-feira, 19 de maio de 2023

Pena e perda.

 “Respira. Respira”

Dona Carolina repete para si mesma à medida em que perpassa os corredores da UFF.

A vergonha de ter de se submeter ao que considerava uma humilhação era enorme, sem

tamanho. Ter que pedir pela piedade de pessoas desconhecidas. Nunca conseguiria imaginar

aquela situação agonizante nem nos seus piores pesadelos.

Mas faria, porque tinha de lutar, tinha de sobreviver por suas filhas. Afinal, quem restaria as

suas lindas gêmeas se um dia viesse a faltar. O pai tinha ido comprar cigarro assim que soube

da circunstância dupla da gravidez, seus pais morreram cedo, e não confiaria seus tesouros

mais preciosos a desconhecidos, ao que se reduziu o restante da sua família.

Faria porque sentia-se culpada toda vez que a Maria calçava seus sapatos surrados,que não

conseguia ajudar a Keyla com o dever de casa, que o feijão e o arroz faltavam e que a louça

na pia se embolorava. Sentia-se a pior mãe do mundo quando ouvia Maria chorar baixinho no

meio da madrugada, quando via o medo em seus olhares todas as vezes que era internada, e

quando Keyla dava comida em sua boca.

Crianças não deveriam se preocupar com os pais.

Ela tinha de ser capaz de pelo menos manter a pequena kitnet em que moravam, não?

Entrou na sala e acuou-se no canto mais distante. Os olhares dos telespectadores atentos

perfuravam a sua cabeça como flechadas dolorosas. Não conseguiria ler a carta.

- Professor, o senhor poderia ler para mim? É que eu tô nervosa e o meu câncer é na

cabeça, então, quando eu fico nervosa, me dá muita dor de cabeça.

-

- Alguém quer ler?

Um dos alunos se aprontou. Carolina observou enquanto aqueles rostos juvenis se

transfomavam pela tristeza e a pena. Pena essa que lhe causava a maior das maiores dores:

uma ferida irremediável em seu orgulho.

Chorava. Sentia-se humilhada pela vida. A cada dia, sua alma sofria dilacerações que

custavam a cicatrizar.

Alguns rostos continuavam impassíveis. Precisava fazer com que acreditassem nela.

Tirou o lenço. Agora, apenas lágrimas contornavam o seu lindo e sofrido rosto.

Fez porque só lhe restavam a sua vida e as suas gêmeas. Não poderia perdê-las também.


-Camélia.

2 comentários:

  1. Ótimo texto, só de ler e pensar na situação da personagem já dá um nó na garganta.

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  2. Muito bom texto, por conta da situação é impossível não se emocionar lendo.

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