“Respira. Respira”
Dona Carolina repete para si mesma à medida em que perpassa os corredores da UFF.
A vergonha de ter de se submeter ao que considerava uma humilhação era enorme, sem
tamanho. Ter que pedir pela piedade de pessoas desconhecidas. Nunca conseguiria imaginar
aquela situação agonizante nem nos seus piores pesadelos.
Mas faria, porque tinha de lutar, tinha de sobreviver por suas filhas. Afinal, quem restaria as
suas lindas gêmeas se um dia viesse a faltar. O pai tinha ido comprar cigarro assim que soube
da circunstância dupla da gravidez, seus pais morreram cedo, e não confiaria seus tesouros
mais preciosos a desconhecidos, ao que se reduziu o restante da sua família.
Faria porque sentia-se culpada toda vez que a Maria calçava seus sapatos surrados,que não
conseguia ajudar a Keyla com o dever de casa, que o feijão e o arroz faltavam e que a louça
na pia se embolorava. Sentia-se a pior mãe do mundo quando ouvia Maria chorar baixinho no
meio da madrugada, quando via o medo em seus olhares todas as vezes que era internada, e
quando Keyla dava comida em sua boca.
Crianças não deveriam se preocupar com os pais.
Ela tinha de ser capaz de pelo menos manter a pequena kitnet em que moravam, não?
Entrou na sala e acuou-se no canto mais distante. Os olhares dos telespectadores atentos
perfuravam a sua cabeça como flechadas dolorosas. Não conseguiria ler a carta.
- Professor, o senhor poderia ler para mim? É que eu tô nervosa e o meu câncer é na
cabeça, então, quando eu fico nervosa, me dá muita dor de cabeça.
-
- Alguém quer ler?
Um dos alunos se aprontou. Carolina observou enquanto aqueles rostos juvenis se
transfomavam pela tristeza e a pena. Pena essa que lhe causava a maior das maiores dores:
uma ferida irremediável em seu orgulho.
Chorava. Sentia-se humilhada pela vida. A cada dia, sua alma sofria dilacerações que
custavam a cicatrizar.
Alguns rostos continuavam impassíveis. Precisava fazer com que acreditassem nela.
Tirou o lenço. Agora, apenas lágrimas contornavam o seu lindo e sofrido rosto.
Fez porque só lhe restavam a sua vida e as suas gêmeas. Não poderia perdê-las também.
-Camélia.
Ótimo texto, só de ler e pensar na situação da personagem já dá um nó na garganta.
ResponderExcluirMuito bom texto, por conta da situação é impossível não se emocionar lendo.
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