Clara observa o pastor andar de um lado para o outro enquanto evoca o seu sermão. Conhecia todos ali de cor. Sabia quem gostava de galinha caipira ou preferia churrasco, quem torcia pro Flamengo, pro Vasco, e até os raros botafoguenses. Gostava daquele clima de pequena comunidade em que todos se ajudam, se conhecem e se apoiam.
-Ele sabe de todas as coisas. Sabe o que nós pensamos, dizemos e fazemos. Ele está sempre conosco, meus irmãos.
Trovões soam do lado de fora e uma sede repentina se aloja na garganta de Clara. Ela sai da pequena igreja e vai em direção ao bebedouro do pátio. Bebe copos e mais copos d’água, mas a estranha sensação não passa. Ouve um barulho. Acha que vem vindo da porta ao lado. A secura em sua garganta aumenta à medida que sua curiosidade se expande. Decidi olhar pela fechadura. Reconhece as costas de Miriam, esculpidas como asas de um anjo. A sua amiga parece segurar alguém em seus braços. Percebe sapatos iguaizinhos aos seus, roçando as pernas de etéreas. O anjo de repente para e se vira lentamente. Parece agora encarar os olhos de Clara através da porta, seu rosto sujo de um batom estranhamente familiar.
-Estava esperando você, meu amor!
Clara acorda. Sua cama molhada de suor. O peito quase explodindo. Seus pulmões doem em busca de ar. Sua mente em ritmo frenético em busca de um resquício de memória do pesadelo. Não sabia se lutava para acordá-lo ou mantê-lo calado. Voltar a dormir é uma tarefa quase impossível. Muitas noites são como essa: ansiosas, angustiantes e confusas. Nessas horas, Clara sempre parece pensar em somente uma solução: rezar para ver se passa.
-Camélia
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