Oficina de Leitura e Produção Textual UFF

sexta-feira, 19 de maio de 2023

Escreva o nome dela aqui: _______________!

Uma família de classe média, com uma mãe solteira, provedora da casa com três criaturinhas superprotegidas. A mãe iniciara a vida vendendo linguiças defumadas de porta em porta no bairro mas em dado momento alcançou algum tipo de sucesso quando resolveu abrir uma serralheria com o pai das crianças morto por engano da polícia que o confundira com um meliante procuradíssimo – foram oitenta tiros por engano em um pai de família.

Era uma terça-feira normal, em um lugar normal, de uma vida normal. Pelo menos assim se iniciou o dia.

Gabriel, o filho mais velho e mais problemático, estava cansado depois de um dia conturbado na escola. Estudar no ensino médio no Colégio Imaculado Coração de Maria não era tarefa fácil para um garoto gordinho preto vindo de família periférica em escala social. A escola parecia uma selva com animais de todos os tipos, a maioria bem ferozes. Obviamente, o jovem era presa fácil. Sempre levava uns tapas aleatórios e escutava piadas gordofóbicas e racistas, entre outras, envolvendo também a sua mãe, verdadeiramente imaculada.

Uma mãe que parecia ser toda a força da natureza reunida numa pessoa só. Em todos os sentidos possíveis. Um furacão de força e de garra. Uma máquina! Com uma resistência às merdas que a vida nos coloca de forma descomunal. Movida por uma força maior, que nunca ninguém soube explicar muito bem o que era, uma fada de luz que poderia ser a mãe de qualquer um que leia esse conto. Poderia inclusive ser a gente no futuro.

A mulher era incomparável, tinha uma esperança extrema nas pessoas, era uma lição de vida ambulante, e possuía uma fé na humanidade que Gabriel, Ana e Pedro – seus irmãos, nunca entenderiam. Eles achavam, pelo menos. 

Pois bem! Voltemos ao desenrolar da prosa... Lá estava ele depois de um dia normal, chegando da escola abençoada direto para a serralheria da família. Ele diariamente se perguntava por que dentre tantos tipos de negócios possíveis, a família dele escolheria ter logo um ofício tão desgastante e subvalorizado. Eram muitas perguntas sempre. A maioria delas sem resposta. Mas a serralheria dava dinheiro, muito dinheiro. Ainda que fosse um dinheiro escravo-capitalista: todo dia trabalha, todo dia ganha; se não trabalhar, não ganha! Guardemos essa informação.

⁃            Chegou atrasado de novo, garoto? Você não consegue fazer nada certo?

Disse a mãe, em tom raivoso, mas apenas escondendo sua verdadeira preocupação. Ela era o céu e o caos ao mesmo tempo, acreditem!

⁃            Eu vim assim que pude, mas estava um pouco engarrafado. 

Era mentira do filho. Na verdade, os veteranos tinham trancado ele no banheiro apenas pra “descontrair”. Ainda que a única coisa contraída ali fosse o cérebro dos jagunços. 

⁃            Você vai me falar o que houve de verdade ou eu vou ter que descobrir?

Disse ela sabendo espiritualmente a resposta. Ela era muitas coisas, vidente inclusive. 

Entre mentiras gaguejadas e incertezas mal pronunciadas, Gabriel começou a chorar, porque ele sabia e só ele sabia, o que ele passava no conjunto da tragicomédia que era sua vida; que não estava sendo a melhor pessoa que ele poderia ser, mas que de fato ele era o que ele conseguia ser. E ele até que conseguia muito bem. Sua mãe também. Seus irmãos também. Porém, algo faltava para conectá-los. Ninguém sabia o quê, mas descobririam juntos.

Entre uma martelada e outra, entre uma solda e uma queimadura leve, alguém entra na loja. 

Emília, a mãe, solicitou que o menino atendesse a pessoa que acabava de chegar. Assim ele o fez. E ao perguntar como poderia ajudar, recebeu uma resposta que nunca esqueceria:

- Cala a boca, filho da puta. Não tem desenrolo. Passa tudo que tem de valor, não olha pra minha cara, senão te mato. 

Gabriel paralisou.

- Passa todo o dinheiro e não me segue senão tu morre, playboy!

Sorrateiramente, o garoto, que não era playboy, nem era bobo, jogou um bolo de notas de onças e garoupas dentro da lixeira do caixa, repassou com a outra mão apenas as notas que se acham na rua ao bandido. Acredite, o menino era capaz de coisas no melhor estilo kung-fu Panda. 

O assaltante foi embora na mesma velocidade em que chegou: como um raio. 

Gabriel tinha muita raiva guardada consigo. Por tudo que já vivera e pelo que ainda viveria. Ele não pensou. Quando viu que o assaltante estava sozinho, pegou um tarugo de ferro e saiu correndo atrás do mesmo, sem pensar nada.

- Mãe, chama a polícia que eu vou pegar ele.

A mãe não tinha nem entendido nada direito, coitada.

Ele correu, o menino correu muito. A mãe, absolutamente de forma orgânica, danou-se a correr atrás dele também. Assim foram: assaltante correndo com dinheiro da serralheira da família, jovem Gabriel correndo atrás do assaltante, dona Emília correndo atrás do jovem Gabriel. Algo aconteceu. A mãe não alcançou o filho. Ela perdeu as forças no meio do caminho. Desmaiou de tanto nervosismo. 

Se antes, o menino com nome de arcanjo, corria atrás do bandido, ao ver a mãe estirada no chão, ele estatelou. O assaltante que se danasse. 

Ainda que tivessem muitas discussões, a relação entre os dois era mais poderosa que qualquer coisa. Em vez de ligar para a polícia, ligaram para a emergência. 

Daí, daquele dia normal que de normal não fora nada, a frequência com que viam pessoas vestidas de branco e verde passaria a aumentar.

O episódio foi o início de uma jornada, que ninguém espera nunca. Dona Emília não tinha simplesmente perdido as forças e cansado. Ela desmaiou por conta do avançado estágio do câncer na medula que foi inesperadamente descoberto.

Tudo virou de cabeça para baixo. 

As semanas e meses seguintes não foram fáceis. Entre venda da casa de praia que tinham recém adquirido e o fim da serralheria (dado que é esse é um tipo de negócio escravo-capitalista, lembra?), a vida financeira, que há muito não era problema, começava a se desenrolar de forma inversa. 

O dinheiro do Uber, da comidinha japonesa, acabara. Daí foi muita ladeira, e muita decida.

Se antes estavam escalando a pirâmide social, agora estavam deslizando meio pico abaixo. Mas Emília além de muitas aptidões, sabia fazer doces como uma deusa. E fez. enquanto aguentava. Até que não tinha mais coordenação motora para tal.

Gabriel continuava na escola particular por conta de doações que a família recebia dos vizinhos e familiares, mas dinheiro para outras contas como aluguel e cesta básica começaram a ficar rarefeitos como se o ar da realidade vivida também fosse se esvaindo. 

A saída mais natural era também a mais humilhante: quem trabalhara com fartura e fortuna durante anos, agora se via na posição daqueles que até ajudava eventualmente. Emília, Gabriel, Ana e Pedro viraram pedintes. Pedintes. Que palavra distante de nós. Nem tanto. 

Semana passada estavam numa faculdade de Niterói, poque referiam pedir em nesses locais. É que no início do ano, eles foram pedir ajuda para um casal, e o homem não gostou. Achou que era mentira dos dois, deu um tiro para o alto e um tapa na orelha de Gabriel, logo ele, que já apanhava muito da vida.

Que loucura, meu Deus! Era uma família com problemas mas uma família linda. Não mereciam viver isso. Todavia, estavam vivendo. Quem decide o que se merece na vida? Quem tem coragem de decidir?

O arcanjo se culpava por não ter feito mais coisas pela mãe antes. Ainda que não fosse humanamente possível, ele se culpava. Enquanto a mãe se culpava de toda a situação. Emília geralmente não conseguia falar sobre o assunto.

Se tivesse que pedir ajuda a alguém, ela chorava copiosamente, levantando falsas análises de almas moribundas, pobres de espírito. Ela geralmente levava uma cartinha que o filho tinha feito pra que ela lê-se quando ele não pudesse acompanhá-la. 

Quando a bomba explode, até as guerras dos mundos acabam. Quando acontece algo ruim de verdade, pessoas que diziam ser amigas, se camuflam na paisagem cinzenta da morte. E às vezes, nos restam apenas desconhecidos, preferencialmente os que não duvidem da nossa honra. 

O nome dessa pessoa que teve seu mundo transformado brutalmente era Emília. O final dela ainda não está escrito. Nem nessa crônica, nem na vida real. Não sabemos se ela vai sobreviver, ou se o câncer vai se fazer um urubu esperando pela carniça. 

O nome dela poderia ser Carolina, Maria, Marli, Lúcia, Fátima, mas é você, leitor quem vai dizer!

O nome dessa mulher vai ser o nome da sua mãe.

No final, a mãe é minha, mas poderia ser a sua. 

Então...

Volte no início deste desenrolo e escreva o nome da sua mãe lá em cima. No título. No espaço em branco. Preencha esse espaço com o nome dela. 

Se essa mãe aparecesse na sua frente numa aula de faculdade, então você doaria? Se fosse a sua mãe, você doaria? O que você sentiria se duvidassem da sua mãe, irmã(o)?

Existem várias formas de mudar o mundo. Mas a primeira delas é ter vontade. 

Ligue para a Carolina. Chame-a para tomar um café. Converse com ela. Pergunte como foi o dia dela e sobre o tratamento contra o câncer. 

Salvem uma vida. 

Pela Emília, pela Carolina, pelo Gabriel, por quem no futuro ou presente está sendo golpeado com tamanha lástima. Ou simplesmente doe dinheiro.

Acredite, é mais fácil! 

 

Você tem coragem?

Escreva o nome da sua mãe lá em cima!

Seja corajoso.

Doe o que você puder. 

 

Ainda que apenas afeto!

Apenas!

 

O pix é esse: 

(21)98436-1086

Caroline Alves Serra


A Fênix 


Postado por Fernanda Gondim às 16:28
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3 comentários:

  1. James Clarkemann20 de maio de 2023 às 17:07

    Excelente texto, apesar de não falar diretamente sobre a Carolina abordou bem as dificuldades de uma família desprivilegiada para alcançar a ascensão social, como um problema grave (nesse caso uma enfermidade) pode colocar tudo a perder e mostra como a sociedade atual está cada dia mais desumanizada.

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  2. Anônimo21 de maio de 2023 às 18:41

    Que texto forte. A estrutura textual, das frases, a construção dos personagens, tudo muito bem feito. Gostei que você interligou várias partes e verdadeiramente construiu uma história sobre o que foi sugerido, já que temos liberdade para isso.

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  3. Joelma23 de maio de 2023 às 07:13

    Adorei que você construiu uma história sobre a proposta, muito bom texto!

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