sexta-feira, 28 de abril de 2017

Entre Stephen King e Michel Temer

Era uma terça-feira, dia de protesto na capital do país, dia de lutar pelo que era dele por direito. Cada vez mais isso se tornava uma rotina. Kaluanã, "guerreiro", como seu nome ja diz, estava sempre à frente dos movimentos de resistência de seu povo. Já havia perdido inúmeros embates com madeireiros e construtores, mas jamais havia chorado ou ficado com medo, porém isso estava prestes a mudar.
  Com suas roupas tradicionais, seu cocar, pinturas e arco e flecha, Kaluanã, junto a uma massa de companheiros de batalha, se aproximou a um enorme palácio. Logo à frente ja podia ver outras tribos na concentração. "Quanta expressão", tal pensamento veio à sua cabeça ao ver uma imensidão de cartazes e pessoas protestando. O deslumbre foi-se embora assim que se deparou com centenas de caixões pretos. Os caixões remeteram-o a seu irmão mais novo, que por desgosto havia tirado sua própria vida no final do ano que se passara. Esse era, afinal, o propósito deles, denunciar de forma impactante a morte de seus entes queridos nos últimos anos.
  Os caixões foram erguidos e carregados em direção a um espelho d'água. No meio do caminho, Kaluanã começou a perceber uma espécie de fumaça aparecendo em forma de nevoeiro. Seus olhos começaram a queimar e lágrimas de dor passaram a escorrer por seu rosto. De olhos cerrados, via vultos batendo em retirada, quando sentiu uma dor intensa e aguda em seu peito. Perdeu o ar por uns instantes que mais pareceram uma eternidade. Havia recebido um tiro, que mesmo não sendo letal, fora capaz de matar algo que ele até então considerava imortal, sua bravura. No chão, completamente desabilitado e com medo, Kaluanã olhou pra cima e enxergou uma figura grande e vil, vestida de preto, de escudo e porrete na mão. Esse ser, junto a outros igualmente fardados, seguiu aterrorizando todos que se mantinham em meio à fumaça.
  Homens e mulheres de todas as idades, correndo desesperados, choro e berro por todo lado, nomes sendo gritados com o intuito de localizar aqueles que se perderam na névoa do mal que só aumentava, pessoas deitadas, algumas delas sangrando. Quem não sabe do que se trata, pode até pensar que estou narrando "O Nevoeiro", mas não, estou narrando uma história muito mais assustadora.

Por Paulo Terra

3 comentários:

  1. Bom texto. O autor consegue passar para o leitor a emoção contida na situação narrada. Também me agradou o fato de ter mencionado os caixões.

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  2. Incrível. Gosto de como o texto flui, da intertextualidade, da emoção transmitida e do título.

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  3. Texto muito bom, além de fluir de um modo que deixe a leitura prazerosa, faz nós nos sentirmos apegados ao personagem. Fora isso, descreve as cenas de maneira que realmente nos faz relembrar as imagens passadas pelo digníssimo Felipe Pena.
    Abs, Sr.Omar

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