quinta-feira, 13 de abril de 2017

Hora de Acordar

   O despertador era o último som que a moça desejava ouvir.
     As últimas semanas haviam sido cansativas. As horas de sono atrasadas durante os sete longos períodos da Licenciatura pareciam querer cobrar a dívida. Apenas mais dez minutos, pensou ela. Porém, determinada como era, forçou-se a levantar. Ainda sonolenta, caminhou até o banheiro. Seu reflexo exibia uma aparência cansada. Mais olheiras, pensou. Lágrimas vieram aos olhos ao retomar os devaneios da última semana, mas logo tratou de cessá-las.
     Seria um dia cheio. Ela teria pouco tempo para se deslocar do trabalho para a faculdade. Ainda queria pensar na resposta que daria na atividade proposta na semana anterior. Uma simples pergunta, que dera início aos pensamentos que a atormentavam.
      Meu trabalho acabou, e o curso aproxima-se do fim. — começara o professor. Aquele era seu último semestre com a turma. — Mas, apesar de estarmos a um período de conclusão, não sou mais eu quem deve ensinar. Aquilo que sabia, compartilhei com vocês. Agora, é hora de aprenderem com si mesmos. É hora de responderem à pergunta que farei com base nos conceitos absorvidos, nos motivos construídos. Serão professores, e o ato de ensinar algo a alguém requer mais reflexão do que se imagina. — a sala estava em silêncio. O professor caminhou até o quadro e destampou a caneta. Virou-se para seus alunos, a fim de intriga-los uma vez mais. — É provável que já se tenham feito esta pergunta milhares de vezes ao escolherem este caminho. — o professor sorriu, divertindo-se com a curiosidade crescente. — Afinal, porque ser professor?
     Naquele dia, a moça preferiu ir caminhando para casa. Nenhum dos colegas surpreendeu—se com a pergunta. Pareciam ter a resposta da pergunta pronta, completa, na ponta da língua. Estavam tão perto do fim. Por que apenas ela questionava-se para responder?
     Desde então, só pensara na singela pergunta. Conseguia pensar em muitos motivos, mas nenhum lhe parecia concreto. Nem mesmo os que antes a atraíam. E isso era o que mais a incomodava.
     O dia mostrara—se cansativo, tal como prometera. Ao chegar da faculdade, a moça encontrou o irmão ainda acordado, passeando pelos canais da tv.
     Você deveria dormir. — falou ela. Dirigiu-se à cozinha, ávida por um copo de água. — Não sabe como eu queria umas boas horas de sono.
     O irmão não respondeu de imediato; sabia que havia algo incomodando a irmã, e pretendia descobrir o que era.
      É a faculdade ou o trabalho que lhe tira o sono? — indagou ele. — Ou um namorado, talvez?
     A irmã sorriu. Admirava a sinceridade e a proteção que emanavam do irmão. Sentiu-se à vontade para lhe contar aquilo que vinha ponderando na última semana. Sincera como era, também, evitou rodeios:
     — Não consigo me ver numa sala de aula. — começou. Desta vez, não pôde interromper as lágrimas. — Quero largar a faculdade. Esse não é o meu caminho.
     O irmão arregalou os olhos. Sempre decidida como era a irmã, não havia gostado do que acabara de ouvir. 
     — Eu sei que está muito cansativo. — argumentou ele. — Mas falta tão pouco. Você é forte o suficiente, e será uma excelente professora.
     Imersa em lágrimas, a moça apenas abraçou o irmão. Aconchegou-se, e cansada como estava, o sono a venceu ali mesmo.
     O despertador era o último som que a moça desejava ouvir.
     À caminho do trabalho, um aglomerado de conclusões a consumia; queria salvar a juventude que viria após ela. Queria transmitir, ensinar, compartilhar. Queria ver a realidade da profissão e melhorá-la. Entretanto, nenhuma dessas conclusões eram o suficiente. Ainda não respondiam a pergunta.
     O tempo para chegar à faculdade, ao final do trabalho, era curto. Porém, a moça ainda buscava a resposta.
     Finalmente, a estudante deu-se conta de que necessitava de algo mais. Não poderia restringir-se à aula. Precisava de calor, de reflexão, de descobertas. Precisava poder se expressar. Precisava informar.
     Ela sorriu, já tomando o caminho de casa. Já não havia necessidade de respostas. A vida é um emaranhado de caminhos, de escolhas, pensou. O caminho correto permanece oculto, até ser encontrado pela essência do ser. Os aprendizados adquiridos moldam a essência, e essa motiva nossas escolhas.
     Feliz, jurou a si mesma que jamais usaria o termo loucura. Afinal, não iria desistir. Iria apenas recomeçar. 
                                 * * *
     O sono logo a faria adormecer. Porém, o dia que viria prometia ser cheio. Cheio de emoções e de curiosidade. Um novo caminho se apresentara, e a moça sentia-se pronta.
     Pela manhã, o despertador era o primeiro som que ela desejava ouvir.

Amon Valapar

3 comentários:

  1. - Costumo desligar o alarme com batidas.
    - Delicado como sempre, Mecânico.
    - Não. Aborrecido. Não quero acordar vez em quando.
    - Ah. Está reconsiderando a profissão?
    - Não. Já estou muito sujo de graxa.
    - E é só o que tem a dizer dessa história?
    - Não. Gostei de querer acordar. Boa história. Me sinto... bem.
    - E articulado como sempre. Mas não acha que poderia ser mais... melodiosa? Talvez com algum jogo de palavras?
    - Você grasna demais.

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  2. Foi uma das minhas preferidas! Achei o desenrolar meio denso...mas gostei muito da marcação de tempo como metáforas de novas ideias da personagem

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