sexta-feira, 28 de abril de 2017

“Não foram eles que chegaram primeiro?”

A viagem de metrô naquela quarta-feira foi diferente. Fiquei perto de uma mulher acompanhada de uma criança, talvez fossem mãe e filha. A mãe parecia concentrada em um jornal onde na primeira página constava em letras garrafais a seguinte manchete: “EM BRASÍLIA, INDÍGENAS ENTRAM EM CONFLITO COM A PM DURANTE MANIFESTAÇÃO”. Visivelmente curiosa, a pequena cutucou a mãe daquele jeito insistente que toda criança faz, e quando conseguiu a atenção que queria, apontou para a imagem onde uma mulher indígena era amparada por dois homens e soltou a primeira pergunta: “o que houve com ela, mãe?”. Sem tirar os olhos do jornal, a mãe respondeu: “ela estava num protesto e deve ter sido machucada”.

Eu sabia que provavelmente a mãe estava com aquele olhar de quem sabia que iria receber uma enxurrada de perguntas, por isso até dei uma risadinha, mas me atentei à conversa. “Por que machucaram ela?”, indagou a menina. “Talvez ela tenha feito algo errado”, respondeu a mulher. Eu achava que ela estava certa. Eu nunca havia visto essas manifestações com bons olhos, sempre defendendo algum partido corrupto e pior, utilizando as pessoas como massa de manobra. E além disso, ninguém apanha da polícia à toa, não é?

“Por que os índios estão fazendo isso?”, a garota continuou. A mãe parou para pensar por algum tempo. “Meu amor, os índios estão lutando pelas terras que são deles por direito, mas que tomaram deles e não querem devolver. Estão lá em Brasília para pedir ajuda do governo”. A menina fez cara de confusa e tornou a perguntar: “E o governo não quer ajudar?”. A mulher parecia não saber o que dizer. Mas criança é criança, e todo mundo sabe que não dá pra deixar de responder os seus questionamentos, típicos da fase. “Acho que não, filha”.

Elas ficaram em silêncio por algum tempo e eu estranhei. Inclinei o corpo discretamente para observar e notei que a menina parecia chateada. Mas, de repente, ela voltou a falar: “Isso é tão errado, né, mãe? Eles devem estar se sentindo tão mal, sem nem ter onde viver... Eu já vi na escola que muitos índios são tratados que nem escravos pelos donos das fazendas e são até mortos... Mas mãe, não entendo essa confusão toda! Por que tomaram as terras deles e por que estão tratando eles desse jeito? Eu estudei sobre o descobrimento do Brasil ano passado e eu lembro bem, não foram eles que chegaram aqui primeiro?

Ao ouvir aquilo, parei para pensar no julgamento que havia feito há poucos minutos e senti um pouco de vergonha. As palavras da criança começaram a ecoar na minha cabeça e não pararam mais pelo resto da semana. Afinal, não foram eles que chegaram aqui primeiro mesmo?

Lukas Salazar

3 comentários:

  1. No geral, gostei muito. Achei que se perdeu um pouco na última fala da criança. Ou a criança era bem adiantada...

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  2. A escrita do autor é boa, não cansa o leitor e flui bem. No entanto, o desenvolvimento da história poderia ser dado de maneira mais aprofundada , as reflexões apresentadas são bem simples e poderiam ser mais desenvolvidas também.

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  3. Texto bom de ler, tem perenidade, cidadania, no entanto como já dito antes, a fala da menina no final se perdeu, aparentemente ela nao tinha muito conhecimento e na ultima fala a reflexão foi muito além.

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