Dia Obsessivo Compulsivo
Acordo cedo e abro os olhos sem ânimo. Queria dormir mais. Durmo mais e abro os olhos sem ânimo. Queria dormir menos. Levanto da cama, mas a voz me perturba. “Se você acordar tarde todo dia, você vai fracassar”. Volto pra cama, deito e levanto de novo. Continuo sem ânimo, mas agora não vou fracassar. Caminho até a porta e giro a maçaneta. “Você não tem internet para ver o documentário, você vai reprovar”. Giro a maçaneta quatro vezes (número par é confortável). Continuo sem ver o documentário, talvez não vou reprovar. Talvez? Giro a maçaneta mais duas vezes, não vou reprovar. Não sou idiota, sei que girar a maçaneta em números pares não adianta. “Ainda bem que você sabe, você vai reprovar”. Meu coração dispara, não sinto o ar em meu pulmão e giro a maçaneta repetidamente sem contar. Perdi a conta. “Se você girou em números ímpares você reprova, se for em números pares você não reprova.” Coração acelera, respiro fundo, engulo a seco o momento e deito novamente na cama. Deus me livre reprovar. Consigo me acalmar. Levanto da cama, caminho até a porta evitando pensar em qualquer coisa. Giro a maçaneta uma vez para abrir, atravesso o portal sem pensar em atravessar de novo e puxo a porta ouvindo os aplausos da plateia imaginária na minha cabeça. Venci esse obstáculo. Tomo café, sento no sofá e assisto ao telejornal. A reportagem mostra a decisão judicial que obriga universidades a funcionarem presencialmente. Deus proteja os profissionais e alunos, a pandemia não acabou. Lembro que não acredito em Deus, ou seja, que a máscara e a sorte os protejam. Levanto do sofá para ir ao quarto. “Isso poderia acontecer com os alunos da UFF”. Sento no sofá novamente, Deus me livre isso acontecer agora. Levanto do sofá e vou assistir as aulas no Meet. Termino de assistir a duas aulas online. Sinto cansaço mental, dor de cabeça e desânimo com o EAD, mas Deus me livre voltar presencial agora. Lembro que não acredito em Deus e bato na madeira repreendendo. Nada muda, mas pelo menos alivia. É meu mecanismo de defesa.
Estrela da Manhã
Me identifiquei muito com as suas palavras, infelizmente. Não sei se foi proposital, mas senti que o fato do texto não ser dividido em parágrafos aumentou ainda mais a sensação de sufoco trazida por esses dias esquisitos. Muito bom o seu texto!
ResponderExcluirTexto muito real. O fardo de viver essa rotina caótica da nossa sociedade é angustiante o bastante para nos dar medo dos próximos dias. Sendo todos iguais, ou um diferente do outro, será que estaremos preparados para eles?
ResponderExcluirNão sei se essa foi a intenção, mas o seu texto transpareceu bastante o que você sente. Pelo menos a leitura que eu efetuei me passou a sensação de sufoco, desespero e muito ansiedade. Me identifiquei bastante, principalmente com a parte do noticiário.
ResponderExcluirAssim como já mencionaram acima, também senti bastante a presença de certa ansiedade ao longo do texto, o que entendo totalmente, já que a pandemia me trouxe esse sentimento de uma forma mais forte do que nunca. Eu até espero que o presencial volte logo, mas contanto que só aconteça em um momento realmente seguro para nós. Acho que mais tempo no EAD vai acabar aumentando ainda mais essa ansiedade, especialmente quando pensamos a respeito do retorno. Acho que o jeito é torcer para que tudo dê certo!
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