quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Relatos de ex presidiário

 Nunca foi fácil viver no Brasil, ainda mais quando se é ppp (pobre, preto e periférico). Sempre ouvi que é importante estudar, mas nunca conheci ninguém que cresceu estudando. Já no tráfico, vi uma abertura para melhorar a minha vida. Com uns 16 anos me familiarizei com os bandidos locais e logo após já estava lá na correria. Já corri de polícia, troquei tiros e o mais marcante, fui preso dentro de casa e dormindo.


O fato de ter sido preso me marcou bastante, pois dificultou muito a minha vida. Digo isso, dado que  me impediu de fazer algo que não seja voltar para o crime. Logo após sair da cadeia voltei para o crime, pois não conseguia emprego e nem ingressar em uma escola. Depois de mais 2 anos no crime, decidi sair e começar uma vida nova. Consegui um trabalho de “boy” no centro do Rio. Conheci muitas pessoas importantes, advogados, contadores, médicos etc.


Após um ano na empresa, resolvi voltar a estudar para terminar o ensino médio e ingressar em uma universidade. Cometi o erro de comentar sobre o que eu almejava para os meus colegas de trabalho, que já passaram por uma universidade, e com o meu chefe. Comentários maldosos soavam sempre quando eu passava e até mesmo diretamente a mim. Comentários como “Olha o ex bandido achando que é um de nós” “Alguém avisa ao bandidinho que faculdade não é só pegar uma arma e dá tiro"  “ Ora ora, ele acha que pode crescer” ou o pior “Universidade não é o seu lugar, não. Seu lugar é dentro de uma favela ou presídio".


Foi bem triste ouvir isso de pessoas que eu me espelhava. Eu, realmente, desejava ser como aquelas pessoas. Por um tempo eu achei que eles estavam certos, aquilo não é para mim. Faculdade é lugar de “playboy” de “patricinha” não de ex preso. O que eu preciso é acabar o ensino médio e ficar tudo bem.


Decidi estudar para o ENEM no meu último ano do ensino médio. Sem muito esperança e já sendo piada no escritório, fui fazer a prova. A redação foi bem tranquila, e o restante da prova também, só foi bem exaustiva. Sai do local da prova não muito confiante.


Em janeiro saiu a nota 960 de redação e 600/700 do restante, pensei “Nada mal para um ex presidiário”. Me inscrevi no Sisu e usei a cota de escola pública e de raça. Consegui ingressar em uma universidade federal. Cheguei todo animado para contar a novidade no escritório e quando meu chefe descobriu ele me demitiu. Eu não compreendi o porquê. Aceitei, fiz o que tinha que fazer e segui. 


No meu último dia no escritório o meu chefe gritou  “Porque você não rouba alguém na rua, ao invés de roubar a vaga do meu filho na faculdade, seu macaco. Volta para a  cadeia, que é o lugar onde você NUNCA devia ter saído. Essa vaga que você roubou te custou seu emprego. Agora viva de misérias.' Ouvi aquilo e entendi o que a situação, a minha vitória incomodou a elite. O meu lugar é em qualquer lugar, até mesmo onde o filho da elite pode está e espero incomodar muito mais. Até porque o meu destino é além de tudo que assemelham a minha origem.


Sibyl X

5 comentários:

  1. Texto profundo, Sibyl X. Parabéns, estou sem palavras (no melhor sentido)!

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  2. Muito profundo mesmo o seu texto! Você deve se orgulhar de ter chegado até aqui, agora estudando e conquistando um futuro melhor, não dê ouvido a esses idiotas que te desmereceram. Obrigada por compartilhar esses relatos com a gente.

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  3. Muito forte seu texto, Sibyl! Infelizmente essa ignorância ainda se faz muito presente!

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  4. Parabéns pelas conquistas Sibyl! A sua história é um exemplo de superação. Espero que você tenha muito orgulho de você e saiba que nada do que lhe foi dito é verdade. O seu futuro é brilhante!! <3

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  5. Caramba, que aula de resiliência! Parabéns pelas tuas conquistas, elas são gigantes! <3

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