quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Não era justo, nunca foi

 Lucas nasceu no dia 16 de Julho de 1998. Morava na comunidade do Caju, na cidade do Rio de Janeiro. Ele era um jovem muito sonhador, achava que um dia tiraria sua família da favela, era o que mais queria. A vida nunca foi doce para ele, desde novo Lucas aprendeu que para conquistar algo ele teria que batalhar muito, mas era triste pensar nas injustiças do mundo. Como ele, sendo um homem preto e favelado, poderia competir com um branco de classe média? Não era justo, nunca foi.

A mãe de Lucas era empregada doméstica e o pai… bem, o pai nós não sabemos. A mãe era nordestina, da Paraíba, e a única função que conseguiu exercer aqui no Rio de Janeiro foi como empregada. A mãe de Lucas, dona Kátia, demorou para arrumar um emprego e quando conseguiu ela ficou extremamente feliz. Afinal, ela tinha dois filhos pequenos e precisava sustentá-los. 

A família da patroa era ótima, eles abrigaram a mãe dele, ele e seu irmão mais novo no momento em que eles não tinham onde morar. Lucas fez uma amizade muito real com o filho mais velho da patroa, eles tinham idades próximas e se tornaram inseparáveis.

Lucas foi muito feliz naquela época, ele jogava bola, videogame e comia bolo quase todos os dias. Aliás, não posso deixar de mencionar que Lucas torcia para o Fluminense, time que jurava ser o maior do Rio. O dia em que ele foi ao maracanã pela primeira vez com o seu amigo-irmão foi inesquecível. O tamanho do estádio era colossal, ele nunca na vida imaginou que estaria ali e que veria seu time jogar na sua frente, com seus próprios olhos. O Fluminense não ganhou naquele dia, mas não importava pois aquele momento ele guardaria para sempre no coração dele.

Com o passar do tempo, a mãe de Lucas parou de trabalhar na casa daquela família. Acabou que ela engravidou mais duas vezes e ficou muito complicado continuar trabalhando, o máximo que ela fazia eram alguns bicos de cabeleireira no salão de sua irmã. Então, Lucas, agora com 19 anos, sabia que deveria arrumar um emprego para ajudar a família. 

Mas, que merda, ele achava emprego em lugar nenhum. Foi em mercados, em bares, em restaurantes e em farmácias, contudo, ele nunca se encaixava no perfil das empresas. Por que será? Não era justo, nunca foi e eu não sei se um dia será.  

Não teve outro jeito, Lucas sabia que a única forma de ajudar a mãe era entrando no tráfico e foi o que ele fez. Ele tinha colegas que o colocariam dentro, logo, sem que sua mãe soubesse, ele virou aviãozinho. Ganhava pouco mas já ajudava muito a família, a paz no rosto de sua mãe trazia tanta felicidade para ele. Porém, chegou um momento em que não dava mais para suportar trabalhar naquilo. As coisas que ele via, os riscos que corria, tudo que ele passava, não valia a pena. Lucas até tentou sair do tráfico, mas o dono da boca mandou matá-lo antes que pudesse fugir. Lucas morreu baleado a sangue frio em Julho de 2018, dias antes de seu aniversário.

Lucas foi vítima da sociedade, de preconceitos e do capitalismo. Ele deixou uma família e muitos amigos nesse mundo. Sinto saudade dele todas as vezes que assisto a um jogo do Fluminense e quando vejo meu irmão jogando videogame me recordo dos momentos em que eles, amigos-irmãos, se divertiam juntos. Nós éramos felizes naquela época.

Cida da Rocha

7 comentários:

  1. que texto angustiante, mais angustiante ainda é saber que isso é real e mais comum do que eu gostaria. sei lá, tudo isso é triste demais

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  2. Seu texto é bem realista. Porém, os meninos não vão para o trafico por apenas esse motivo. Tem todo uma ideia de "ser da hora". Mas eu gostei muito do seu texto!

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    1. Sibyl X, entendo a sua opinião acerca das pessoas que adentram no universo do tráfico. Sei que, em alguns escassos casos, isso acontece, mas seria ingênuo da sua parte achar que essa é uma das principais situações para que isso ocorra. O texto é realista porque, de fato, aconteceu e me dói ver esse tipo de comentário, pois é um mal real que atinge diversas pessoas no Brasil, principalmente no Rio de janeiro. Meu amigo foi morto, baleado a não sei quantos tiros de uma forma desumana, porque entrar no tráfico foi o único modo que ele viu que poderia "crescer" na vida, já que o nosso Estado não garante escolaridade decente e direitos para ninguém. Enfim, entendo o seu comentário mas senti que precisava escrever isso aqui.

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    3. Concordo com a Cida, Sibyl, é muita ingenuidade achar que a ideia de "ser da hora" é a principal motivadora! Pra quem conhece os riscos de entrar nesse meio, não acredito que ela seja o suficiente pra explicar a quantidade de jovens que ainda perdem a vida, como o Lucas. Pra muitos esse é o único modo de conseguir dinheiro e rápido, pq quem tem fome, tem fome hoje! Como ela disse, o Estado não garante educação de qualidade nas periferias, nem lazer, muito menos cultura, a realidade é outra e é difícil demais. Os que conseguem estudar, se especializar e fazer faculdade, infelizmente, devem ser vistos como a exceção!

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  3. Como é triste ler o seu texto e saber que Lucas não foi uma exceção. Eu torço para que um dia, todos os meninos como Lucas tenham as oportunidades para escolherem o caminho que quiserem. Lindo texto! <3

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  4. Olha, Cida... É um texto que me cativa muito porque fui criado próximo a favela, convivo com gente da favela o tempo todo, tenho amigos lá dentro e sei como é perder um amigo para esse mundo. Espero que essa situação mude um dia e toda essa molecada que acaba se perdendo sem ter escolhas possa crescer com uma visão possível de um mundo melhor

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