quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Papoula: Ego

 No início do dia, chego ao trabalho com pensamentos em tudo, menos nele. A jornada no ônibus serviu apenas para pensar em tudo o que pretendo fazer (vou?) na minha vida, além de contemplar meu eterno conflito com meu ego. 

       Cumprimento a todos com um bom-dia desajeitado. Nunca sei se devo, ou como, ou quando cumprimentar. Quem liga para o que eu falo? 
       Silenciosamente, miro aos que estão ao meu redor enquanto tomo café. Cada um me desperta uma reação diferente, que busco maquiar, mas cujo significado nesta crônica não vou ocultar: desde sujeitos que vejo como brutos e ignorantes por mera primeira impressão, aos que considero agradáveis pela utilidade ou comportamento até então. No embate comigo mesmo, penso: que homem, que chamego… queria agarrar ele e dar um beijo. Corrijo-me: é apenas curiosidade, não homossexualidade.
       Como forma de firmar meus padrões morais superiores, descarto o lixo seletivamente de forma correta, uma clara distinção aos demais que não sabem nem explicar o que é isso. Novamente estou longe da baixeza das massas.
       Meu pensamento se embaraça: que estúpido; é só lixo, e isso não faz melhor do que ninguém, não é isso o que quero cultivar dentro de mim. 
       A vontade de escandalizar meus princípios, deformar minha consciência e subverter a minha própria ética me acompanha ao longo dos pensamentos do restante do dia. Flui em mim a vontade constante de me entregar à desejo vazio de ser uma pessoa supérflua e deixar de me afogar nas águas da percepção de todos os erros que cometo e todas as negações que sustento, todo o preconceito que foi arraigado em mim durante o meu crescimento, mas que eu posso escolher combater a cada dia que passo, aprendo, passo a agir e compreendo mais. 
       Ao longo do dia, julgo a todos ao meu redor, duvido deles, de sua bondade, de sua pureza, aumento seus erros ao mesmo tempo em que luto para fazer exatamente o contrário, dividindo-me por um equilíbrio de enxergar a mim e ao mundo do jeito certo e do avesso.
       Por fora, apenas uma pessoa cansada, calada e com uma reputação de bom rapaz temperada de personalidade de fracote. Quero estar acima deles, quero pisar em todos e aproveitar apenas as pessoas que me atraem ou me agradam. Sou narcisista em detalhes, porque em mim não há grandeza, ainda que eu lute para fermentar e cultivar em mim grande pureza. 
       Querendo também mostrar que o egoísmo não está apenas nos outros, mas também pode estar escondido em recônditos de nós mesmos, lembro-me de Galahad ao finalizar essa crônica que acabou como desabafo, como algo a ser alcançado: “Não há nobreza em ser superior aos seus semelhantes, nobre é ser superior ao seu antigo eu.”
       Assim eu sigo: com uma consciência gigante, erros constantes e uma luta incessante.
~ Papoula (Popular?)

8 comentários:

  1. Que crônica sensacional! Gosto de textos com caráter mais descritivos assim, faz exatamente o que a crônica quer: retratar pequenas situações do cotidiano que nós não prestamos atenção. Gostei mais ainda por você deixar claro que mesmo cheios de erros, (e sabendo disso), vez ou outra, ou quase sempre não exteriorizamos nossos erros e vivemos como se fôssemos muito superiores aos outros mesmo. Essa citação do fim é muito boa e nova pra mim, estou mesmo muito admirada!

    Obs: comentário anterior apagado porque percebi depois erro de digitação.

    ResponderExcluir
  2. Gostei muito, muito mesmo da sua crônica. Nós falamos muito sobre ser tratado como inferior pelos outros mas essa é uma coisa que fazemos também. Ninguém é perfeito e nós vamos descontruindo essa crença de superioridade aos poucos, por isso gostei bastante da última frase do seu texto.

    ResponderExcluir
  3. Adorei sua crônica! Muito legal como você narrou o que se passa de mais profundo na sua mente, pensamentos que às vezes temos vergonha de admitir ou só não queremos.

    ResponderExcluir
  4. Amei a crônica! Muito importante trazer a tona esses preconceitos e pensamentos ruins que nos todos temos por vezes e como precisamos sempre tentar desconstrui-los. Parabéns por mostrar o que todos tem vergonha de dizer.

    ResponderExcluir
  5. Gostei muito da sua crônica! É importante demonstrar como nos podemos ser preconceituosos e rudes. Nossos pensamentos tóxicos também podem ser nossa própria armadilha.

    ResponderExcluir
  6. Lindo, muito lindo seu texto! As cenas descritas por você são tão importantes quanto o texto ao todo, você fez com que o leitor imaginasse a cena, muito interessante! A forma como você se conhece de fora é interessante. Meus parabéns.

    ResponderExcluir
  7. Que texto,Papoula. Amei como você descreveu as coisas, me senti dentro da sua história. Concordo com a medusa e admiro muito a forma como você se conhece e consegue colocar seus sentimentos mais guardados em um texto, e com palavras tão bonitas. Parabéns!<3

    ResponderExcluir