quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Não existe certo e errado. Existe uma vida e outra.

 Outro dia estava com minha tia na rua e passamos por uma feirinha com várias barraquinhas com artesanatos e afins. Em uma delas, havia uma menina vendendo seus desenhos impressos em folha A3. Minha tia gosta de ver desenhos e começou a folheá-los. Os traços da menina eram grossos e seus desenhos cheios de posicionamentos, sendo a maioria deles de mulheres. Depois de passar por uns 5 desenhos, vimos um de uma mulher sentada. Era um desenho comum, ela não estava fazendo nenhuma pose exótica nem segurando nada, era só uma mulher sentada. Mas o comentário da minha tia foi "ela está precisando se depilar", seguido de uma risadinha, como se fosse só um comentário inocente — o que, na cabeça dela, foi mesmo. Tudo porque, ao desenhar a mulher, a menina da barraquinha havia desenhado alguns pelinhos em suas axilas.

Na hora fiquei meio sem saber o que fazer, pois achei que a menina havia escutado, mas depois que analisei a situação, fiquei na dúvida, então só balancei a cabeça e não falei nada. Segui o dia com minha tia como se nada tivesse acontecido, mas fiquei pensando bastante nisso. A geração dos meus pais e tios tem muito essa cabeça de que mulher deve ser magra e depilada, homem não pode usar maquiagem e esmalte, o certo é se formar no colégio, fazer uma faculdade, uma pós, talvez um mestrado e doutorado, e prestar concurso para, só assim, ter uma vida boa, entre diversas outras situações que, aos olhos deles, representam a forma "correta" de se viver.

Essa característica deles sempre me incomodou muito, meus pais também são assim, e vira e mexe eu tento dialogar sobre essas coisas, mas na maioria das vezes não serve para nada, então com o passar do tempo eu fui deixando de lado, mas sempre penso muito a respeito. Como pode o corpo alheio incomodar tanto? As escolhas de vida, a carreira e os sonhos de uma pessoa serem tão julgados pelos outros? A orientação sexual de uma pessoa ser motivo de desgosto? Grande parte dessa geração faz isso e, mesmo com a maior parte da nossa geração lutando para que nada disso continue sendo um tabu no futuro, e mesmo que essas questões estejam visivelmente melhorando a cada dia, eu sei que não conseguiremos fazer todos entenderem o simples, curto e grosso: a vida dos outros não é da sua conta.

 

 

Espelho Fragmentado


6 comentários:

  1. É muito triste que nossos pêlos sejam tão mal vistos pela sociedade, sendo que quando estão em um homem, nenhum olhar de reprovação e nenhum comentário é citado. Triste realidade.

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  2. A mulher com pelos não é apenas uma mulher com pelos né? E a crítica social em torno disso não é só uma crítica, é um reflexo enorme de como as pessoas agem quando não entendem que as vidas alheias não as cabem. Que a gente consiga passar coisas diferentes pros nossos sucessores. Ver essa ignorância e misoginia ser reproduzida é frustrante demais.

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  3. Olha, a quantidade de vezes que pessoas aleatórias falaram sobre os meus pelos é incontável, então eu conheço bem esse incômodo. Me pergunto a mesma coisa que você. Por que algo que está no meu corpo irrita os outros? É muito difícil viver numa sociedade que deseja tudo perfeitamente padronizado, e é muito difícil não se perder de você mesmo por causa disso. Ótimo texto!

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  4. Adorei o seu texto, Espelho Fragmentado! As pressões estéticas da sociedade são bizarras e irreais, como se ninguém tivesse pelos... Mulheres precisam ser doces e gentis a toda momento, magras e depiladas. Às vezes eu penso no futuro, nossas filhas/netas terão de passar por isso? Ouvir essas mesmas "piadinhas"? Não é o futuro que eu quero para as meninas do futuro. Seu texto está bom demais, retratou muito bem um fato que para algumas pessoas pode ser apenas uma piada ou algo do tipo mas que não é, retrata mais do que imaginam.

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  5. Adorei o texto, Espelho. Isso também não entra na minha cabeça, como uma coisa que está em mim incomoda tanto o outro? Muito triste ainda termos que viver ouvindo esses comentários.

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  6. Ótimo texto, Espelho! É muito difícil fazer com que as gerações anteriores entendam, mas necessário para que as futuras não passem pelo o mesmo!

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