A sinfonia que se constrói com o par de corações e o esgotar das respirações, que agora se fazem uníssonas, conduz dois corpos numa dança que, aqui de dentro, nada tem a ver com carne. As amarras que a prende lá fora, aqui só me fazem liberdade, na libertação do Eu que a faz se ver cada vez mais Ela. É quando o físico, o tocável, tem o prazer da descoberta de que nós, de uma sensibilidade única, os espíritos, estamos vivos. A partir desse momento, nossos contatos se tornam um vício.
Não basta o couro da roupa vestindo-se do couro da pele. Não basta o masoquismo de Vênus ou a boceta quente e molhada de Nora. Sejam eufemismos ou cartas diretas, tão escancaradas quanto como as pernas dela se encontram agora, as palavras não se fazem suficientes para alcançar este prazer. Nem o sexo faz. Porque o contato que descrevo vai além das linhas retas que esse termo sugere. O contato que descrevo é, além da união das duas moças nessa cama redonda de lençóis sujos de prazer, a união de cada uma delas consigo mesma. Não são as chupadas que definem o sexo. Nem os dedos indicador e médio, que agora são socados com violência para dentro do corpo que por oras chamo de meu. O sexo é feito, primordialmente, a partir de uma pessoa sozinha. E enquanto você acredita que o sexo precisa de dois indivíduos, é porque você ainda não me conheceu. Não se conheceu.
Elas continuam a bailar. A respiração quente no ouvido; o ritmo travesso das palmadas; as investidas abruptas da língua de uma por todo o corpo da outra e os passos leves que faziam parecer coreografia a transa e estúdio o pequeno quarto de motel. Não é pela carne, nunca foi. É pela beleza natural, pela vida. É a vida completa que vicia.
A moça, que aqui chamo pela terceira pessoa para tornar clara a dissociação entre corpo (ela) e alma (eu), está agora no comando. Sua parceira, com as pernas trêmulas, obedece o movimento natural da dança que não tem regras. Os corpos marcados do vermelho fogo, viraram água. Se despem do couro, se livram das cordas. Duas estranhas, se convidam agora a adentrar no mais profundo nível de intimidade. Sem se tocar, gozam. Se livraram do sexo pelo sexo. Deixaram que suas almas se conectassem pelo prazer. E eu gozei junto.
Pandora
O sexo pelo sexual é comum, o sexo pelo emocional nem tanto, mas ainda pode ser considerado cotidiano, mas o sexo pelo espiritual? Inovador.
ResponderExcluirAlém disso, o texto é extremamente poético, repleto de personificações e subjetividades que valorizam culturalmente a obra, que também "goza" do rompimento com o lead.
Belíssimo texto, Pandora.
Em relação as sete pontas, vejo que você rompeu com o lead, se preocupou com os recursos jornalísticos e, principalmente, o quanto você ultrapassou os limites do cotidiano. Pessoalmente, gostei do texto, é original e disfrutei lendo.
ResponderExcluirVascoPaulo14
Que texto! Achei muito bonito com todos esses aspectos poéticos e tratando da relação homossexual entre duas mulheres como algo simples e quebrando o tabu de mulher gozando. Só aí já exerce e muito a cidadania! Gostei também desse aspecto mais espiritual, levando o sexo para um outro patamar, um outro significado. Arrisco a dizer que atingiu todas as pontas da estrela, assim como vejo seu texto repleto de fatores antropológicos. Parabéns!
ResponderExcluir