segunda-feira, 27 de junho de 2016

"Não vai ter golpe..."


Fui designado a fazer uma reportagem em uma manifestação pró-impeachment e lá fui eu para Avenida Atlântica. Como já havia feito em manifestações contra, entrevistaria alguém que pudesse me explicar e justificar ao público o motivo e causa de estar ali, e faria isso de maneira mais neutra e imparcial possível.
Uma senhora me chamou atenção, com "Tchau, querida!" estampado em sua blusa e um cartaz enorme escrito "Não vai ter golpe... Vai ter impeachment", então fui até ela e perguntei:

- Por que a senhora é favorável ao processo de impeachment?

- Chega de roubar nosso povo, meu filho!! O povo brasileiro está cansado e por isso estamos aqui, viemos pra rua pelo nosso país. 

- A senhora sabe que para ocorrer o impeachment, previsto pela nossa Constituição, o presidente só pode ser afastado se comprovado um crime de responsabilidade. A presidente Dilma é acusada de algum crime?

- Sim, meu filho, as pedaladas fiscais

- Pode-se dizer que o uso de pedaladas fiscais foi uma maneira artificial de cumprir o orçamento, mas não é um crime de responsabilidade, o governo não obteve crédito formal dos bancos. E se a presidente não cometeu crime, isso não é um golpe?

- Não, não é um golpe porque ela tá roubando todo mundo, estamos na crise por causa dela, tem é que sair mesmo, esse processo não foi aberto à toa

- Mas a maioria dos articuladores do impeachment são investigados e réus em processos, inclusive Eduardo Cunha, presidente da Câmara que deu abertura a isso. A senhora não acha que foi uma estratégia dele de tacar fogo no país para escapar do processo de cassação e a oposição, por sua vez, abraçou a causa por ter perdidos nas urnas? 

- Han... é... eu não sei... O povo merece coisa melhor, com um novo presidente, aí sim o país vai pra frente

- Então insatisfação com o governo ou não gostar da presidente é motivo legal para o impeachment?

- ...

- Isso não seria um golpe contra a democracia?

- ...

- Senhora? Senhora! Volta aqui, senhora

Ela saiu correndo.

(Frida Kahlo)

4 comentários:

  1. Gostei das referências bem atuais, seja as da manifestações pró-impeachment, seja o da senhora sair correndo hahaha. Você explica de forma até mesmo didática sua opinião, deixando bem claro seu ponto de vista e organizando os diálogos de forma dinâmica. Acho que potencializou os recursos jornalísticos, ultrapassou os acontecimentos do cotidiano e exerceu cidadania.

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  2. Gosto de como sua crônica explicou a questão do impeachment de uma forma bem clara. Muita gente ainda não entende essa questão direito, então acho que foi bem interessante da sua parte fazê-lo >.< E o final hahaha Sua crônica rompe com o lead, mas acredito que não tenha perenidade porque você abordou o tema através de um parâmetro mais atual.

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  3. Frida, gostei do final divertido e atual que permite também a proximidade com o leitor. O texto deixa um posicionamento definido e utiliza a narrativa como forma de ser bem explicativo. Observo também, o zeitgeist, por trazer a temática atual, o rompimento com o lead, o aprimoramento das técnicas jornalísticas, bem como o espirito cívico.

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  4. Sim, como todos comentaram anteriormente, foi engraçado e, ao mesmo tempo, conseguiu explicar para as pessoas o processo pelo qual estamos passando. Dessa forma, já conseguiu a ponta do exercício de cidadania, do rompimento do lead e da potencialização dos recursos jornalísticos. Porém, creio que pelas referências serem bem atuais, não há tanta perenidade no texto. Podemos também fazer umas reflexões antropológicas sobre como as pessoas opinam sem estudar, buscar informações e ter uma noção maior da situação. Parabéns!

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