segunda-feira, 27 de junho de 2016

Não Vai Ter Crônica



Escrevo em uma noite de um domingo que não poderia ser pior. Meu time foi goleado, briguei com minha irmã e estou há sete horas tentando escrever sobre um golpe que eu nem sei qual é. Pensei em falar sobre o golpe de 1889, sobre o golpe de 1930 ou sobre o golpe de 1964. Pensei em falar sobre essa tara brasileira por golpes.


Pensei em falar sobre o processo de impeachment da Dilma. Pensei em escrever uma carta fantasiosa do Presidente João Goulart para a Presidente Dilma. Pensei em escrever um relato de alguém que vivenciou o dia 31 de março de 1964. Mas quer saber? Eu devo ser melhor que isso, hoje eu me recuso a falar de política.


Parti então para os trambiques. Pensei no golpe da barriga, a saidinha de banco e é claro os golpes virtuais. “Descubra como o Google me paga dez mil reais por mês, sem sair de casa”. Ou melhor, “Você é o milionésimo visitante do site, click aqui pegar o seu prêmio”. 


Quando já estava desesperando, fui enviando mensagens para todos os meus amigos perguntando para eles o que achavam que era um golpe. Recebi de tudo, desde explicações retiradas dos dicionários até reclamações de provas colossalmente difíceis. Um amigo judoca me disse que um golpe é quando você derruba uma pessoa utilizando uma técnica específica (Tentador). Ele inclusive prolongou sua explicação, argumentando que a política e a luta têm muito em comum e que em uma jovem democracia como a nossa, as pessoas ainda tendem a vê-la como uma briga e que... Não, lá vai eu me meter na política de novo. 


Já ia me esquecendo, essa ideia foi até fofa. Eu iria falar sobre os golpes que a vida nos dá. Como elas nos machucam, mas que sempre acabam nos levando para o lugar em que a gente deveria estar.


Noticias nada. Imagens nada. Vídeo nada. Já sei, vou criar o golpe do falso mito. Pego uma subcelebridade e desconstruo-a. Pode ser o japonês da federal, ídolo do movimento contra corrupção e preso por contrabando, não vejo ironia melhor. Posso falar sobre o golpe do falso comunista, o pessoal que diz lutar pelo povo mas enriquece banco. Não, já falei sobre isso. 


Nada de política, nada de política... já sei, voltando ao golpe do falso mito, posso criar uma espécie de reportagem e mostrar como políticos fascistas atraem seus seguidores pelas redes sociais. Melhor, posso ocultar políticos e seguidores, substituo por criminosos e vítimas. Assim vai parecer mais um crime virtual.


Pensando melhor, a ideia de fazer um diálogo mostrando um golpe do falso sequestro, pode ficar engraçado. Engraçado? Você quer mesmo brincar com uma tragédia dessas? Quer saber? Sinto muito, mas hoje não vai ter crônica.


Tom     

6 comentários:

  1. Que textooooooo!Seu texto foi realmente muito bom, rompeu com todas as minhas expectativas e foi muito criativo!Reconheci: quebra do lead e perenidade

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  2. Veja como é irônica a vida: não ia ter crônica, e, assim como o golpe, teve. A diferença é que a primeira fora positiva.
    Olhando à fundo nas anotações de minha caixinha, acredito que a sua ~não~ crônica se encaixa em muitas das sete pontas da estrela. Suas exemplificações lembraram-me o "não ignorar técnicas jornalísticas"; o conteúdo em si representa a quebra do lead; e até mesmo o termo usado no primeiro parágrafo, ao meu ver, faz a síntese de todo o resto do texto mostrando que, infelizmente, no Brasil esse é um tema que apresenta perenidade (Pensei em falar sobre essa tara brasileira por golpes).
    A forma como o texto flui e você o conduz novamente ao caminho que buscava traçar (não vou falar de política! Pois veja bem, há também esse exemplo aqui, que na política... Não! Sem política por hoje) me fez lembrar a escrita em uma máquina de textos, o que nada tem a ver com a estrela, Freud e seu recalque ou outros aspectos psicológicos, mas é uma técnica de escrita que me agradou muito e achei que vale a pena elogiar.
    Beijos, siga pela luz.

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  3. Lindo, Tom! Muito criativo. Percebi que você ultrapassou os limites do cotidiano, proporcionou uma visão ampla da realidade, definitivamente rompeu com o lead e foi muito profundo. Concordo com Pandora que a partir dessa questão de "para onde quero ir com meu texto" podemos tirar interpretações psicológicas. Como, por exemplo, porque o autor se recusa a ir para política ou porque acaba sem escrever sobre nada, mas passando uma mensagem forte. Parabéns!

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  4. Tom, parabéns pela criatividade! Eu pude me identificar muito com o que produziu uma vez que também fiquei nesse dilema ao escrever sobre golpe. Acho importante ressaltar a intimidade que você estabelece com o leitor,o que faz com o que o leitor se interesse e se exponha ainda mais ao conteúdo. O texto ultrapassou os limites do cotiidiano, rompeu, definitivamente, com o lead e apresentou uma observação jornalística. =)

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  5. Tom, parabéns pela criatividade! Eu pude me identificar muito com o que produziu uma vez que também fiquei nesse dilema ao escrever sobre golpe. Acho importante ressaltar a intimidade que você estabelece com o leitor,o que faz com o que o leitor se interesse e se exponha ainda mais ao conteúdo. O texto ultrapassou os limites do cotiidiano, rompeu, definitivamente, com o lead e apresentou uma observação jornalística. =)

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  6. Realmente, essa foi uma das minhas crônicas favoritas! Eu gostei muito dessa metalinguagem utilizada por você, quase sempre que tem "escrever sobre escrever" a leitura fica mais leve. Como já falaram, creio que rompeu com todas as pontas da estrela e pode-se perceber uma aversão a falar de política. Talvez por ser um tema polêmico ou por algum desapontamento que tenha passado nessa área? Enfim, parabéns!

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