domingo, 5 de junho de 2016

Bifurcação


Demorei mais que o normal durante o percurso que já me era rotineiro. Não que estivesse engarrafado ou que algo extraordinário tivesse rompido a bucoliada minha viagem diária ao trabalho, a mudança fora em mim.

Chega um certo momento em que a estrada é bifurcada, embora qualquer um dos caminhos vá me levar ao local pretendido. No automático, sempre escolhi a direita. É um ritual: ligo a seta, para sinalizar meus outros companheiros motorizados, viro o volante, pago o pedágio e sigo, sem ao menos olhar o que é deixado na paisagem que me cerca. Nunca julguei que fosse importante, afinal, estava sempre apressada demais para chegar ao escritório. Trabalho na Bolsa e, portanto, cada segundo conta. Não sou como os que seguiam pela esquerda: sem pedágio, porém sempre engarrafada, dispondo de todo o tempo do mundo para não fazer nada de útil à sociedade.

Não sei ao certo quem ou o que me levou a fazer essa associação, só sei que acreditava e a repetia todos os dias, assim como papai fazia. Mas me parecia bem justo, não queria fazer parte dos atrasos que uma via esburacada como aquela representava para mim. Foi um amigo do meu antigo cursinho, talvez, quem me disse pela primeira vez que havia pegado o caminho errado pelo fato de seu chofer ser novo na cidade, o que o forçou a olhar para fora da janela e identificar onde estava. Não lembro direito, mas ele mencionou que a vista era até agradável para um lugar tão descuidado como aquele. O que me fez pensar em tal relato naquele que seria só mais um dia normal não será explicado nunca. Só sei que me fez parar por alguns minutos para pensar antes de simplesmente virar o jogo do carro e entrar na via sinalizada.

Fui pelo mesmo caminho de sempre: segui à direita. Mas dessa vez, olhando ao meu redor. Achei estranho quando percebi o estado dos trabalhadores que serviam a mim e aos outros carros que passavam. Havia gente, muita gente. Que parecia, inclusive, ainda mais preocupada com o tempo do que eu mesma. Tinham cara de quem acordou às 4 da manhã; e eu, de quem levantava de um cochilo da tarde. E, mesmo que trabalhassem na manutenção daquela estrada, de asfalto negro e curvas bem sinalizadas, não pareciam ter condições de pagar sua entrada para se deslocar com a família, tendo que seguir pelo outro caminho, que no dia seguinte eu visitei. E lá não era como aqui.

Na esquerda, mesmo que cansadas, as pessoas pareciam seguir por um bem comum. Sem os recursos que a direita com sua concessão pública dispunha, faziam o que podiam para que o caminho fosse o melhor possível, e que todos pudessem igualmente transitar. Havia ciclovia, calçada de pedestres, rampa para deficientes. Nada parecido com a pobreza observada na direita.

Foi aí que parei para pensar que a minha riqueza não gerava mais do que um conjunto de misérias. A intelectual e emocional de quem tinha meios para refletir, estudar e reverter a situação que perdurava; e a econômica de quem era simplesmente ignorado no caminho.

A partir daquele dia, resolvi abandonar pelo menos a minha miséria intelectual. Agora, além de atentar ao que me circula, sigo sempre à esquerda.

Pandora.

6 comentários:

  1. Muito bom! Ainda que a metáfora da bifurcação na estrada seja um pouco clichê ao meu ver, a descrição bem detalhada e a eloquência na escrita ajudam a criar todo um ambiente extremamente crível dentro do seu texto, o qual abrange, acima de todas as outras, a ponta da responsabilidade social.
    Bom trabalho, Pandora!

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  2. Como disse a Simone, a metáfora da bifurcação é um pouco clichê mas todos vocês estão trabalhando-a de formas criativas. A descrição detalhada me fez imaginar as cenas, me coloquei no lugar da personagem. Você ultrapassou os limites do cotidiano, proporcionou uma visão ampla da situação, rompeu com o lead e foi perene. Parabéns!

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  3. Olá amiga Pandora! Achei seu texto um pouco cansativo, mas valeu a pena ter lido até o final. Como nossas colegas acima disseram essa metáfora realmente esta sendo muito usada, porém todos abordam o tema de forma diferente e surpreendente. Gostaria de destacar que você ultrapassou os limites do cotidiano, exerceu o espírito cívico e pode ser lido sim em outras épocas. Parabéns pelo texto!
    Beijos perfumados de sua querida Maria Antonieta.

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  4. Mônica do Legião e Pandora tem quase os mesmo títulos, é curioso. Alem disso, e sem repetir o que meus companheiros disseram anteriormente sobre a metáfora, e em relaçao com as sete pontas da estrela, acho que ultrapassou os limites do cotidiano, proporcionou uma visão ampla da situação, rompeu com o lead e foi perene... em geral parabéns pelo texto.

    VascoPaulo14

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  5. Concordo que bifurcação é meio clichê, mas achei interessante de toda forma. Você ultrapassou os limites do cotidiano, possibilitou uma visão ampla da realidade, foi profundo e perene e rompeu com o lead.

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