segunda-feira, 6 de junho de 2016

Bifurcações

 

Era tarde da noite. Saíra da casa dos meus pais logo após o jantar mesmo com toda insistência da minha mãe para passar a noite lá. “A estrada é perigosa!” Ela disse várias vezes durante o meu trajeto até o carro, mas nada poderia me oferecer mais conforto aquela noite do que minha cama. A estrada de fato era perigosa, escura e com grande número de acidentes. Conferi meu cinto muitas vezes antes de sair e deixar a casa que cresci para trás mais uma vez.

No meio do caminho, logo após de passar pelo último posto em funcionamento, comecei a me sentir sonolenta. Pensei em voltar, dizer para minha mãe que ela estava certa e receber de bom grado a cama do meu antigo quarto, mas a distância até o meu apartamento era a mesma então continuei a viagem. O rádio que tocava uma música qualquer parou de funcionar assim que cheguei à bifurcação. O caminho da esquerda, que eu sempre seguia, não me pareceu uma boa ideia, estava muito cansada e dormiria se seguisse por ele. Em contrapartida, o da direita era mais curto, se eu acelerasse um pouco mais chegaria em casa antes que o planejado. Por fim, decidi seguir pela direita, o caminho mais fácil.

            Nos primeiro quilômetros a ideia me pareceu fantástica e me perguntava o porquê de nunca ter passado por esse caminho, mas após poucos minutos de viagem comecei a entender as minhas antigas escolhas. Passei pela entrada de uma fazenda, não consegui ler o nome, mas me atentei na escuridão que cercava aquele terreno, as árvores eram mais densas e escuras e consegui ver ao fundo uma luz bem fraca, parecia uma grande fogueira. Ao olhar para frente tinha um grupo de pessoas no meio da estrada, bem próximo ao carro. Freei o carro bruscamente e acabei saindo da pista.

            O carro parou e desci rapidamente. Me deparei com uma pequena família. Todos estavam bem vestidos e pareciam decididos em adentrar a mata, não conseguiam me ouvir e eu não os entendia. Voltei para o carro decidida à seguir viagem, mas algo fez com que eu descesse novamente do carro e seguisse a família.

            Estava andando do meio da mata há alguns minutos e ainda não os encontrara. A cada passo que eu dava a noite ficava mais escura e as árvores mais fechadas. Foi quando avistei a luz, a mesma que tinha vista na estrada. Segui em sua direção e constatei que era uma grande fogueira, cheia de pequenas famílias como a que tinha visto na estrada. Reparei que conversavam muito e discutiam sobre o futuro dos que estavam presentes. Falavam de prisões, dinheiro e de uma pessoa que atrapalhava os planos deles. Ao me aproximar mais um pouco alguns senhores me viram e vieram na minha direção. Eram os mais bem vestidos ali. Terno, sapatos brilhosos, cabelo cheio de gel e incontáveis seguranças enormes.

            Me virei rapidamente e corri em direção à floresta. Tentei achar em minha mente informações que levassem mais rápido para o meu carro, mas ao chegar na estrada não o encontrei. Tentei correr até a bifurcação, mas tudo que via era grandes árvores na beira da estrada. Parei depois de alguns minutos correndo e me dei como perdida. Não sabia onde estava, não encontrava meu carro e não queria voltar para a floresta.

            O dia começou a amanhecer e ouvi movimentações nas árvores. As pequenas famílias que estavam na fogueira passavam por mim sem me ver, como seu eu não existisse. Comecei a segui-los e no meio do caminho encontrei o meu carro. As portas estavam abertas, tudo havia sido remexido. Adentrei no veículo e segui viagem o mais rápido possível.

            Quando cheguei em casa, liguei a televisão no jornal da manhã, peguei meu computador e digitei coisas aleatórias sobre a tal fazenda e seus arredores. Fiz um café bem forte e decidi telefonar para os meus pais para avisar que tinha chegado em casa bem mais tarde que o planejado quando me disseram que há duas semanas eu não ia visita-los. Levei um susto enorme ao ouvir isso e quando olhei para a televisão reconheci um dos senhores que vi de terno na noite passada. Ele era chamado de presidente. Peguei o meu computador e fiz uma pesquisa rápida sobre a fazenda. Nada estava no mapa, aquela estrada não existia, as pessoas que vi não existiam e mesmo assim tudo ainda era muito claro na minha cabeça. Paralisei, lembrei da noite passada mas não consegui me lembrar de mais nada. Foi como se tudo fosse um sonho. Um sonho de como as coisas se perderam no meu pais. Um sonho sobre uma mudança de caminho.

 

Mônica do Legião

9 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Olá amiga Mônica do Legião! Suas palavras me prenderam a leitura e achei a conclusão sensacional, parabéns!!! Sobre as sete pontas acredito que você potencializou recursos do jornalismo sim, pois não ignorou as técnicas de observação. Vi também o rompimento das correntes do lead e acredito que houve perenidade levando em consideração de que seu texto poderá ser lido em outros momentos!
    Beijos perfumados de sua querida Maria Antonieta!

    ResponderExcluir
  3. Eu gostei bastante da sua escolha para escrever o texto. Eu gosto desse estilo, e senti o tempo todo como se estivesse lendo um livro de verdade! Em relação as sete pontas, o seu texto prendeu minha atenção até o final para descobrir o desfecho e, com isso, você rompeu com o lead. Notei também que você potencializou os recursos jornalísticos, ultrapassou os limites do cotidiano e foi perene. Parabéns!

    ResponderExcluir
  4. Vou admitir que subestimei o texto ao ler os primeiros parágrafos. Pensei se tratar de um clichê clássico da bifurcação na estrada, mas estava errada. Gostei muito da reviravolta nos últimos momentos e de toda a atmosfera tenebrosa criada em torno da história.
    Quanto à estrela, o texto rompre completamente com as premissas do lead, enquanto se mantém perene e rompe com o senso comum. Bom trabalho!

    ResponderExcluir
  5. Que demais seu texto!! Me prendeu do início ao fim. Parabéns! Vejo que você rompeu com o lead, se preocupou com os recursos jornalísticos e, principalmente, o quanto você ultrapassou os limites do cotidiano. Além disso, creio que tenha a estrela da perenidade também!!

    ResponderExcluir
  6. Que demais seu texto!! Me prendeu do início ao fim. Parabéns! Vejo que você rompeu com o lead, se preocupou com os recursos jornalísticos e, principalmente, o quanto você ultrapassou os limites do cotidiano. Além disso, creio que tenha a estrela da perenidade também!!

    ResponderExcluir
  7. Gostei muito da sua forma subjetiva de tratar esse tema. A observação e a apuração dos detalhes é um fator muito presente ao longo de todo o texto e já garante o uso das técnicas jornalísticas. Além disso, percebo uma visão ampla da realidade, universalidade/perenidade, rompimento com os limites do cotidiano, exercício da cidadania, garantindo, ao meu ver, todas ou quase todas as sete pontas da Estrela. Muito bom! Parabéns pelo seu texto!

    ResponderExcluir
  8. Como já dito antes, muito bom e criativo seu texto! O final é realmente interessante. Em relação a estrela, acho que você rompeu muito bem com o lead, ao mesmo tempo que potencializou os recursos do jornalismo. Sem contar que o texto foi profundo! Parabéns

    ResponderExcluir
  9. Como já foi dito, somos surpreendidos no decorrer do texto pelo rumo que é levado. Parabéns! Surpreender é sempre bom. Quando à estrela, acho que você rompeu com o lead, potencializou os recursos do jornalismo, ultrapassou os limites do cotidiano e garantiu perenidade aos relatos. Parabéns!

    ResponderExcluir