segunda-feira, 13 de junho de 2016

Eu quero também

Aline sabia que, desde o momento em que nasceu, estava fadada a nunca ter um orgasmo. “Uma limitação, biológica, química,... Não sei” os médicos diziam. Todos sempre deixaram isso bem claro para ela. Mas, sinceramente, a menina não se importava. Afinal, nem sabia o que era um orgasmo.


Quando fez 15 anos, já tendo uma ideia mais avançada sobre sexo, Aline arranjou seu primeiro namorado. Aprendeu que sua impossibilidade de ter orgasmos não a impedia de transar. Muito menos de fazer com que a outra pessoa gozasse. Seu primeiro namorado e todos os outros que seguiram sempre tinham orgasmos. E ela começou a se sentir triste, excluída. Queria ter um também.


Foi quando teve a brilhante ideia de conversar com suas conhecidas sobre isso. Amigas íntimas, colegas, companheiras de trabalho, familiares. E descobriu algo fantástico: todas as outras mulheres tinham a mesma limitação que ela. Pouquíssimas haviam gozado na vida. E as que tinham, só haviam conseguido depois de muito trabalho e autoconhecimento. Finalmente não estava sozinha!


Aline achou aquilo fantástico e começou a pesquisar cada vez mais sobre isso. Descobriu que as mulheres demoravam em média 40 minutos para gozarem, os homens 20. Metade do tempo! Leu todas as teorias que tentavam explicar o porquê das mulheres não gozarem tanto, o porquê de tantas fingirem o orgasmo. Viu mais explicações biológicas: o orgasmo feminino não é essencial para a reprodução humana ou os órgãos genitais das mulheres não são tão sensíveis. Tudo besteira. O clitóris tem infinitas terminações nervosas, sendo muito mais fácil de estimulá-lo do que estimular um órgão masculino.


Chegou à conclusão que a explicação era mais sociológica. Todas as meninas tinham a sexualidade reprimida desde cedo. Enquanto seu irmão mais novo assistia a vídeos pornográficos na internet, Aline não podia nem usar uma saia curta. “Feche as pernas, se respeite, não use esse batom, não se mostre tanto, ninguém gosta de mulher fácil.” Aquilo tudo a irritava. Por que o mundo temia tanto uma mulher com desejos sexuais?


Aline acabou tendo seu primeiro orgasmo, anos mais tarde, sozinha, com sua própria mão. Mas havia decidido algo que mudara sua vida completamente: das próximas vezes que transasse, ia falar, e deixar bem claro para o parceiro, “eu quero gozar também.”


Helena Seixas

3 comentários:

  1. Um assunto extremamente importante abordado de um jeito leve, divertido de ler. Sempre amo quando encontro um texto assim.
    Só quem é mulher sabe como o machismo influencia na construção da nossa sexualidade, nos limitando, nos reprimindo. O próprio tema do texto, sem necessidade de muito mais, já cria identificação com as leitoras mulheres e gera reflexão nos leitores homens.
    Sobre as pontas da estrela, consegui ver todas, com destaque à apuração jornalística (informações de pesquisas) e ao exercício da cidadania.

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  2. Bom texto, Helena. Seu trabalho aborda o tema de uma maneira antropologicamente responsável, exercendo sua cidadania, ao passo que chama a atenção para uma questão social pertinente e perene: a repressão ao prazer sexual feminino.
    Joinha pra você.

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  3. Adorei seu texto, principalmente o tema que ele abordou, quebrando o tabu de mulher gozando e mostrando a diferença de tratamente que homens e mulheres recebem desde pequenos. Já conseguindo aí algumas pontas da estrela. Gostei muito das reflexões feitas no decorrer do texto e sua utilização de falácias ditas por aí a respeito desse assunto. Parabéns, adorei!

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